sábado, 29 de dezembro de 2018

Inexplicavelmente, os anos passam.
Claro que todo o tempo passa,
Revisita bolsas, nichos, lugares comuns –
Amores à imagem do amor,
Mortes renovando a morte,
Como se morte houvesse sempre
E não houvesse nunca.
Claro que todo o tempo
Aleita e envenena,
E talvez todos o sintam como eu:
Jovem e senil, nupcial e funéreo,
Roubando-se de si próprio.


Nuno Rocha Morais

sábado, 15 de dezembro de 2018

Pela rua sigo para o fim do dia,
É então que o vento desperta nas árvores
Dormentes, o rumor da sede
De querer voar.
Estremecem, agitam-se,
Contorcem-se,
Como quisessem quebrar
A sua fidelidade com a terra.

Caminho pela rua,
As árvores a quererem voar.
Também eu voarei quando a noite
Ondular no sono.

Nuno Rocha Morais

domingo, 2 de dezembro de 2018

A morte é aquela que mente
Ao estar entre o que és
E o que serás.

O teu futuro
Existe já no teu presente, inviso,
Oculto pela morte. Ela mente.

És já quem serás,
Serás quem és,
Serás quem foste.
Mas a morte mente
Para existir.

Tu crês nela.
E morres. Eu não creio.
Sou tudo o que há em mim
Para ser, o ser tido,
O ser a haver.
Não creio na morte. Tu crês.
Morres.
E eu também. Mas sem morrer.

Nuno Rocha Morais

sábado, 24 de novembro de 2018

Ainda bem que as crianças são subterrâneas,
Animando sombras e colorindo-as;
Ainda bem que nenhuma feição das crianças
É de pedra, trazendo dos rostos
A verdura das manhãs;
Ainda bem que nada nas crianças é real,
Ainda bem que as crianças não têm nome,
Tendo um nome comum, o da infância.
Ainda bem que as crianças são respirações
De planetas distantes,
Aparentemente impermeáveis à orbita de orvalho da vida,
Ainda bem que as crianças têm nos dedos
Todos os gestos possíveis.
E que dor imensa ver as crianças atiradas
Para o fluir ígneo da estrada.

Nuno Rocha Morais

domingo, 11 de novembro de 2018

O poema mais belo do século XX
Escreveram-no os generais da I Grande Guerra,
Com tropos como Verdun, Sounne, Paschandele,
Recursos como a lama e o arame,
Cavalos-de-frisa e o som do apito para o ataque,
Apenas o gás vivo na terra-de-ninguém,
A manhã que matou Wilfred Owen
No canal de Oise-Sambre.
As potencialidades fónicas
Cenográficas, pictóricas, expressivas da morte
Nunca foram tão bem exploradas,
Não se escreveu poema mais rico,
Tantas são as intertextualidades
Com as últimas palavras de nove milhões de homens,
O Génesis reescrito.
Nenhum verso tem a veemência
O poder expressivo do "shrapnel".

in "Galeria" de Nuno Rocha Morais

domingo, 4 de novembro de 2018

              Com fogo e perda obtém-se
          Uma gota mais perfeita
          Do que oxigénio, hidrogénio,
          Cloro e sódio na planura
          De uns olhos.
          Decomposta uma lágrima,
          Não se surpreenderá sal e água,
          Mas fogo e perda.


          Nuno Rocha Morais


Cl

quinta-feira, 1 de novembro de 2018



A música, parecendo embora
Aprisionada nas grades de uma pauta,
Torna sempre imprevista,
Perpétua surpresa, ainda que escrita.

Nuno Rocha Morais

domingo, 14 de outubro de 2018

O que vivo parece empenhado
Em destruir o que espero.
Mas alguma coisa espero
Para a minha morte,
Como uma espécie de riso
Final e póstumo:
Que ninguém sobre mim
Perturbe ervas daninhas
Ou, como elas, crianças
Que queiram vir brincar
Sobre e dentro do silêncio
Disposto sobre a minha morte.
Deixem-me ir com elas,
Dentro do meu riso –
É tudo o que espero,
Se além há uma vida,
Se além se pode esperar
Mais do que nesta.
E esse instante de riso
Não é pouco para a eternidade –
Nem menor quimera
Ou mais sábia loucura,
Perpétuo numa risada.

Nuno Rocha Morais

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Aviso


Acreditar na palavra? Porquê?
Porquê, se a sua aparência esmaga os sentidos,
Porquê, se a verdadeira palavra
Foge, aérea de voz em voz,
De verso em verso, inalcançável?
Porquê se a imagem
Que reflectimos na palavra
Nunca é inteira, nunca é completa?
Porquê, se na palavra o que dizemos
Se refracta e dissolve e perde,
Se a palavra é apenas o artifício navegável,
Um prelúdio do silêncio?
Ainda assim, afundamo-nos nas palavras
Bebemos-lhes a cicuta espectral,
Cremos e entramos nelas e perdemo-nos
Na tempestade de areia do seu esquecimento,
Em que de nós mesmos desaparecemos.


Nuno Rocha Morais

domingo, 30 de setembro de 2018

O dia despe-se,
Visível é já a pele da noite.
A luz dança com as sombras,
Dancemos também.
Dentro de nós ateiam-se
As cinzas da música,
Que em ritmo e chama
De novo se reúnem.
Dancemos por estas ruas,
Múrmuras, secretas,
Fluindo lentas pela tranquilidade
Que coroa o ocaso.
Dancemos, deixemos
Que os gestos nasçam
E se libertem dos corpos
E se percam na música inaudível
A que pertencem.
Dancemos, somos esperados,
Renascidos, do outro lado da música.


Nuno Rocha Morais

domingo, 16 de setembro de 2018

Copérnico


Ingénua, a Inquisição
Não criou a sua própria imprensa.
Talvez então pudesse ter defendido
Os seus tomos e as suas teses;
Talvez passasse até por vitima
De um Copérnico vil, traiçoeiro,
Um arrivista a requerer protagonismo.
Talvez então, empurrado pela opinião,
O sol se remetesse para a órbita da Terra
E bem diversa fosse a estrutura do sistema.
Menos sorte teria tido Galileu,
Mais outro original a querer reconfigurar
Em movimento a estase do mundo,
Inoculando a imperfeição
Numa tranquilidade modelada.
Não seria preciso ameaçá-los com a fogueira
Se os jornais os houvesse queimado
Com escândalos, fraudes, fracassos.
Afinal, estariam enganados
Afinal o mundo é plano, linear,
Com os jornais ao centro,
Girando em torno deles.
Nada importa o lugar do sol,
A crónica de um dia,
A astronomia é uma ciência dos mercados,
A tinta que suja os dedos
É cinza de inúmeras fogueiras,
Escurecimento de muitos sangues.


Nuno Rocha Morais

domingo, 9 de setembro de 2018

Não sou uma caranguejola,
Não só quero a porta aberta,
Como abertas as janelas e a luz
E quero que lá venhas
Despertar-me o corpo
Da febre que nele se enrosca,
E não quero gente tecendo
Sussurros pressagos à minha volta:
Que falem alto, que se riam,
Que não haja um prenúncio de negro
Pesando-lhes nas feições.
E flores e água e roupas leves,
Mas, sobretudo, riso no tempo
Amplo, aberto,
A promessa de que o corpo
Se recomeçará puro,
A promessa de que o corpo
Alguma vez voltará à vida.

Nuno Rocha Morais

domingo, 2 de setembro de 2018

O tempo cresce.
Manhã dentro, o carteiro chega.
Traz algumas folhas verdes,
Contas misturadas com lama,
Chuva embrulhando distâncias.

O carteiro chega,
Às vezes, trazendo pequenas mortes.
Daqueles que cabem em envelopes
Ou as alegrias que palpitam nas páginas
Para logo se agarrarem ao peito.

Chega o carteiro,
Trazendo o nascimento do céu,
O quebrar do caminho...
Mas que chegue sempre o carteiro
Trazendo a vida para dentro dos círculos,
Pequenos e íntimos e narrativos.


Nuno Rocha Morais

sábado, 25 de agosto de 2018

Tu não dançarás: os teus olhos  não
Dançam, os teus lábios não dançam,
Como não dançam as tuas mãos,
E, assim, toda te juntas em não dançar,
Um feixe de forças, danças,
Submetido a um bloco que és tu,
Perfeitamente esculpida
Num movimento que só à distância
Se deixa detectar, um andamento
Que não conduz, nem se deixa conduzir –
Tu. Assim é a tua vida, ciosa,
Uma dança apenas subentendida.

 Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 20 de agosto de 2018




Perguntarás, por certo, quem sou,
Quem fui e eu não saberei responder
Porque me terás esquecido.
Serei identidade dissipada,
O anel incompleto na viagem
Em torno de si mesmo,
Dirás um verso meu,
Dirás que pertence a um poeta morto
Muito antigo,
E eu buscarei nas páginas vivas
De poetas há muito mortos
Esse verso que nunca acharei.
Falar-me-ás da minha morte
Já acontecida.

                                Nuno Rocha Morais

domingo, 12 de agosto de 2018

A toupeira


Existe apenas para ser uma intrusa,
Escavando galerias na consciência
Até ser percebida por ela: talpídeo.
É um pequeno corpo persistente,
E talvez fosse adorável como animal de estimação,
Se aceitasse a estimação.
Em vez disso, vive nos jardins alheios,
Obstinada na sua independência cega.
É talvez por isso odiosa,
E não tanto por deixar nos jardins
Os inestéticos montículos ou arruinar hortas;
Talvez porque se torna o espelho
Das paixões de bastidores,
Das más intenções que não se denunciam
Sequer por montículos,
Dos pequenos ódios inconfessáveis
E talvez por isso a persigam
Com tanta sofisticação –
Dos químicos aos dispositivos sonoros
E até à subtileza dos explosivos.
Não é justo para a toupeira
Tornar-se uma espécie de consciência.

Nuno Rocha Morais

domingo, 5 de agosto de 2018

Homenagem a RUY BELO(seria presságio esta homenagem)


Será o poeta mais verdadeiro
Aquele homem que cedo morre,
Deixando assim a sua palavra infatigável
Perpetuar o poeta?
Será que a morte do homem
Cauteriza a morte na palavra?
Não sei Ruy, não sei,
Mas não saber é o verdadeiro oficio do poeta,
Incendiar a dúvida na palavra:
E onde ela hesita, se torna leve e bruma
Surge o poema.
Tudo isto soubeste, Ruy,
O sacrifício da tua imagem –
Atravessaste com ela os dias,
Afagaste-a nas noites, nos versos
Porque toda a imagem de um homem
É sempre injusta e só o poeta o sabe.
Morreste no verão, a estação, a tua estação,
A estação por onde sempre reconheceste a alegria,
O mar mais amplo ao longo do dia,
Possivelmente, menos salgado, esquecido
Das lágrimas do tempo.
Morreste no verão, onde as noites são menos densas,
Menor é o esforço de morrer,
A morte, um pequeno sopro
E, depois, calma.

Nuno Rocha Morais

sábado, 4 de agosto de 2018


Toda a ferocidade, lembrem-se,
É uma exigência de ternura.

Resigna-te a sofrer -
Sofre, pois, a resignar-te.


Nuno Rocha Morais

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Entretanto as agendas vão-se juncando
De números de telefone que já não existem,
Náufragos sem nome e sem substância,
Dessorados por anos de mar,
Trazidos por uma maré inútil.
De nada serve esta trama frágil,
Que nos une a outras vidas.
A voz é mais funâmbula do que nunca
Nessas noites em que se repara num nome,
Que adquire um halo, intensidade,
Movimento súbito, velocidade
Em águas algures paradas,
Um acesso súbito de vida,
Logo estancado por um número sem saída.

Nuno Rocha Morais

sábado, 21 de julho de 2018

Aqui, no Cabo do Mundo,
A sós com o mar,
Espalho as minhas cinzas.
Estou em paz,
Converto-me em gruta marinha.

Nuno Rocha Morais












(O Nuno está em casa. Estamos em paz)

domingo, 15 de julho de 2018


Não tenho a pretensão de deixar
Lugares vazios na vida dos outros,
Breve sulco de espuma.
Vou e venho sobre a indiferença
Perfeitamente imóvel da folhagem.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 8 de julho de 2018

A hóstia do incógnito –
Como saber se a tua alma é cobarde,
Como temperá-la contra o muito que teme?
Que homem és na extrema do homem?
Possas tu ser-te leve no caminho,
Viaja ligeiro – lembra-te,
Encontra o que puderes de acalanto
Em ti, à tua volta, no sereno,
Não leves na boca, na alma,
Mais do que um salmo,
Não saibas mais do que ser pequeno.


Nuno Rocha Morais 

terça-feira, 3 de julho de 2018

(A propósito de Nietzsche, relembro o poema do Nuno publicado em GALERIA,pág.37


Confirmação de Nietzsche

Na curva do outrora, 
Partimos, e nas velas, 
Assinado a sangue,
O nome de Deus.


Pelas Cinco Chagas,
Deixámo-nos retalhar,
Exauridos até que a carne
Já não pudesse suspirar qualquer vida.


Pelo Império fora,
Erguemos templos,
Criámos penumbra suficiente
E medo para que pudesse haver Deus.


Inquirimos, queimámos,
Trespassámos, trucidámos, 
A cada passo no sangue 
Fizemos saber a Fé.

Mas a frescura do sangue
Reduziu-se a cinzas.
Morremos, deixamo-nos cair
E a Fé subiu, subiu mais do que nunca.


Molhamos as mãos na prece, 
Na prece afogamos a alma,
Mas nunca mais Deus desceu 
Porque “Deus Morreu”

Connosco.

Nuno Rocha Morais


domingo, 1 de julho de 2018

Um quadro de Bonnard


Embora tenham sido reais,
Estas duas figuras que fumam
Na exígua intimidade de uma varanda
Converteram-se em ficção,
A que o olhar, porém, devolve
O necessário elemento de realidade
Para que a arte, como um sortilégio,
Possa existir e de novo do quadro
Emane o fumo e o odor do tabaco
E uma conversa quase sussurrada.
E as duas figuras fitam-nos também,
Reagem à nossa presença,
E é o seu olhar fictício
Que nos dá realidade também.

               Nuno Rocha Morais

domingo, 17 de junho de 2018


Esta noite, o céu é seara
Onde a lua traça um rútilo sorriso.
Esta noite, abre-se o fresco pórtico
Para o poema puro e perfeito.
O poema é esta noite.
Tudo esta noite sabe a início.
Ao longe, ouve-se um rumor de um mar,
O mar da máquina. Rumor longínquo.
Perto, está apenas a noite
Sedosa, macia, morna, meiga.
As estrelas são espigas de luz.
Esta noite todos somos
Janelas abertas para a noite,
Janelas respirando o Estio tranquilo.
A noite não é de mágoa:
Passa a sua mão fresca
Sobre a testa febril da alma.
O afago azul é, hoje,
A cor da infância.

Nuno Rocha Morais

domingo, 10 de junho de 2018

Ensaio

(Ao Christian Guernes e Manuela Colombo pelas belas traduções dos poemas do Nuno)


 
Porque há-de a arte
Submergir o nosso olhar numa jóia,
Levar a alma, evolá-la para um refúgio,
Um nicho onde a vida não entra?
De que serve a arte como evasão
Se à vida teremos de regressar,
Se rumos mais teremos de trilhar,
Se vidas reais teremos de exaurir?

A arte, porquê evasão?
Porque não viver mais realmente,
De outros olhos, a nossa vida?
Quem se sabe sabedor do céu,
Saberá lutar contra o inferno,
Quem sabe canto,
Saberá embrenhar-se no silêncio?


A arte, porquê fugir de onde nasce?

Nuno Rocha Morais

quinta-feira, 7 de junho de 2018

(Amanhã fará dez anos que o Nuno nos deixou... Vou tratar da sua cremação e trazê-lo para casa, onde ele se sentia feliz)

Cremação

Ei-lo, sem luto e sem tento:
O ar fresco da manhã
Chega junto do teu corpo,
Que agora devolve todos os seus instantes,
E não se sabe comportar,
Chega como quem fala alto.
Serás de cinza.
Um comboio passa, só rumor,
A chuva é cada vez mais violenta,
Mas a este silêncio apenas chega o ar da manhã,
Fresco, gárrulo.
A sua mão espalhará a sua morte
A um vento de mil mariposas,
Nascidas de uma alegria feita carne e pétalas,
Quase alegria.
A morte sem dolo e pestilência.


       Nuno Rocha Morais 

sábado, 2 de junho de 2018

De quem esta sombra
Minha roubada?
Sombra que se mexe comigo,
Num silêncio de corda,
E, contudo, discorda sempre
Em cada movimento –
És sombra de quem?
Saudade de outro corpo,
Saudade de outro espelho escuro.
De quem é esta sombra?
Lembrança de outros gestos,
De outros corpos,
Sombra de outros erguidos,
Outros, não os meus,
Sombra, que emissária és tu?


Nuno Rocha Morais

domingo, 27 de maio de 2018

Têm chovido muitas palavras.
Por favor, não é uma metáfora.
Têm realmente chovido muitas palavras,
O chão está juncado delas,
Pendem das árvores, jazem nos parapeitos...
A fidelidade, a constância, poderiam tornar-nos perfeitos.
Há palavras que me levam contigo,
A que não voltarei, em que não voltarei.
Não as deveria talvez ter dito,
Muitas, estou certo, não as disse
Mas agora são tuas tantas dessas palavras
Que vão chovendo agora e agora
E não tenho palavras onde me abrigar.

Nuno Rocha Morais

sábado, 19 de maio de 2018

Deixo a verdade mentir mais
E mais, até a mentira ser verdade:
Fundem-se assim opostos em iguais,
Misturados em uma mesma grade.
Vejo então qual verdade a falsa ponte
Que num nós funde os nossos sós pronomes
E de ti faz tangível horizonte,
País onde me acoites e me tomes.
Pela falsa verdade é que eu te falo,
Ébrio de quanto quero acreditar.
Depois, é o teu espanto como um galo,
Um sino ou um alarme a despertar
A mentira do seio da verdade,
Alma que, pela morte, do corpo se evade.

Nuno Rocha Morais

sábado, 12 de maio de 2018

As mães, todas as mães
Trazem um fragmento do tradicional Maio
Sempre nas mãos (ai, as mães e o seu prudente desvelo)
Com que remendam os olhos após muito choro.

As mães, também a minha mãe,
Que nos dão banho até aos ossos
E nos criam braços para o dia seguinte
E nos levam através do tempo pela mão.

A mãe, a minha mãe, a mãe
Eternamente minha, a mãe eterna...
Ai, a mãe é sobretudo o gesto do afago
Ardendo na transparência dos seus dedos.
Ai, se ao longo das palavras mais extensas
Se pudesse dizer quem é a mãe,
O amor pela mãe... Mas não,
A mãe imensa cabe apenas
Em Mãe.

Nuno Rocha Morais

terça-feira, 1 de maio de 2018

A memória não é menor,
Nem menos desesperada,
Mas ganhou lentura,
Diminuendo de lição aprendida,
Segura, depurando-se de pormenores.
           O caulino é agora basalto.

Nuno Rocha Morais

terça-feira, 24 de abril de 2018

Para a nossa querida amiga MANUELA COLOMBO com votos de rápida recuperação

Vim buscar-te ao fundo do medo, amiga,

Porque talvez juntos já não estejamos perdidos.

Filtrada pelo medo qualquer luz é mortífera,

Mas eu vim tomar-te as mãos

Para que então aí te entregues

Como o coração secreto de um fruto.

De um tempo dizimado

Podemos ainda erguer toda a luz.

Não vieste comigo:

Só no medo estavas segura.

                                 Nuno Rocha Morais

sábado, 14 de abril de 2018

(Love again?)

Nenhum gelo é irrevogável,
Nenhuma pedra inexorável:
O possível espreita sob a forma
De erva, uma folha, um olhar.
E então as pedras pedem pólen
E o gelo é feliz ao sol,
E a erosão canta e esculpe.

                                                                                                                                             Nuno Rocha Morais

domingo, 8 de abril de 2018

Atravessei o pez da noite,
O insecto indemne através da teia
De nuvens e poços de ar
E electricidade estáticas.
As luzes da pista surgem
Como ao longe a ressurreição
Para uma alma condenada
E ao fim de várias eternidades
A fuselagem da alma está salva
Quando as rodas tocam o asfalto
No apocalíptico rolar da salvação.

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...