domingo, 23 de abril de 2023

Andamos ainda com as máscaras da liberdade
Que a sombra teceu para nós

E consumimos ainda sonhos ancorados

As estrelas foram dependuradas nos tectos

Os punhos foram decepados

Os passos mais ousados encarcerados nos canis e abatidos

Depois foram as notas do tambor roubadas

Aquelas notas verdes e rodopiantes

Que algumas mãos de noite enterraram no silêncio dos tímpanos

E o sangue que chegou ao coração

Trouxe ordens impressas

As pombas viram as suas asas transparentes

Substituídas por ossos negros

E na vida abriu-se um sorriso que durasse 

Com um estilete 


Nuno Rocha Morais

domingo, 16 de abril de 2023

 “A verdade é que estou confuso,

A verdade é que estou perdido.

Cada coisa que te digo

É uma declaração de guerra,

Ou nada do que te digo interessa,

E o silêncio é dar margem

A uma margem que cresce.

Marcaria encontro contigo, dentro de ti,

Para te perguntar onde estás –

Se ainda aceitasses ver-me.

Diria que te amo

Se aceitasses ouvir-me.

Dir-te-ia que estou aqui

Se ainda me aceitasses dentro de ti.”

Confundo as identidades

Da estrela da manhã e da estrela da tarde

Posso imaginar que os meus olhos

Estejam agora húmidos com a confusão

De um cão que não entende as palavras,

Mas apenas o tom.

Posso conceber que essa ternura perplexa

Cause repulsa, mas não a entendo.

Tudo o que te possa dizer

Te soará a declaração de guerra

Ou, pior ainda, a capitulação

Neste jogo de identidades que se desfocam,

Num combate de sombras

Entre forças que se desprendem.

E o silêncio é dar margem

A essa margem que cresce.

Em breve passará um rio, soará a noite,

E será o mundo.


Nuno Rocha Morais

sexta-feira, 7 de abril de 2023


Há muito tempo, 

Entro nessa penumbra

Que, tonitruante,

Paramenta o espaço.

O entendimento de muitas metáforas

É pó, nada mais do que pó.

Pão, vinho, cordeiro –

O que significam estes símbolos

Onde Deus vai acordando

Como uma flor dormente?

E quem é esta gente, o rebanho,

Que conflui para os cânticos

Como um rio lento e seguro?

Uma estranha felicidade

Incensa as suas vozes incompreensíveis.

Há muito que guardo Deus

Como um livro fechado,

Órfão da fome que alimenta

E da ressequida sede que dessedenta. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 2 de abril de 2023

Paguei já demasiado:

A estrídula acidez da vida,
O teu fogo indecifrável em mim,

Depois extinto, já nem cinza.

A luz que não ilude os olhos,

A luz, ainda outra forma de escuridão,

Este sofrer de não entregar a dor no verso,

Mas apenas vê-la reflectida nele,

Ampliada, propagada em quem me lê

A morte imperceptível.

Quanto ainda me resta pagar? 


Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...