terça-feira, 24 de abril de 2018

Para a nossa querida amiga MANUELA COLOMBO com votos de rápida recuperação

Vim buscar-te ao fundo do medo, amiga,

Porque talvez juntos já não estejamos perdidos.

Filtrada pelo medo qualquer luz é mortífera,

Mas eu vim tomar-te as mãos

Para que então aí te entregues

Como o coração secreto de um fruto.

De um tempo dizimado

Podemos ainda erguer toda a luz.

Não vieste comigo:

Só no medo estavas segura.

                                 Nuno Rocha Morais

sábado, 14 de abril de 2018

(Love again?)

Nenhum gelo é irrevogável,
Nenhuma pedra inexorável:
O possível espreita sob a forma
De erva, uma folha, um olhar.
E então as pedras pedem pólen
E o gelo é feliz ao sol,
E a erosão canta e esculpe.

                                                                                                                                             Nuno Rocha Morais

domingo, 8 de abril de 2018

Atravessei o pez da noite,
O insecto indemne através da teia
De nuvens e poços de ar
E electricidade estáticas.
As luzes da pista surgem
Como ao longe a ressurreição
Para uma alma condenada
E ao fim de várias eternidades
A fuselagem da alma está salva
Quando as rodas tocam o asfalto
No apocalíptico rolar da salvação.

Nuno Rocha Morais

domingo, 1 de abril de 2018

Uma vida parece pouco,
Reduzida a três malas.
Talvez me possa levar
Um pouco deste céu,
Talvez alguém ofereça
Um búzio, que em si contém
Uma súmula do mar.
Parece pouco e ninguém
Poderia imaginar a súbita importância
Do voo oblíquo de uma ave
Em frente de uma janela
Ou os ruídos tão familiares
Que vão atravessando
A espessura do sono.
Mas é isto que não se conforma
Em três malas e é isto –
Tão definitivo e tão pouco –
Que nega a pretensão de unidade
De uma vida, a que faltarão
O modo e a linha melódica
De certas falas.
Na bagagem, tudo amortalhado
No repouso de restos.

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...