quinta-feira, 29 de julho de 2021

É necessário, amor,

Que alguém fale

Da nossa morte

Para que possamos voltar à vida.

Pelos descampados da ausência,

Somos o silêncio

E essa voz luzindo

Devolve os nossos nomes

Às palavras,

Às sua agulhas de sangue.

Dizemos, então,

O adeus do regresso.

 

Nuno Rocha Morais



 

 


sexta-feira, 23 de julho de 2021

Jogos olímpicos


Cada passo arrancado aos músculos, 

Esculpido no espaço,

Caminho talhado em suor.

 

Descendentes do relâmpago,

Da pedra, do vento, da altura,

Da distância, da água,

Seres recortados no esforço.

 

Entregam-se e dão:

Para muitos a dádiva do choro.

Para tão poucos,

Um movimento imobilizado em ouro.

 

Nuno Rocha Morais


segunda-feira, 19 de julho de 2021

 Dois ou três corvos sobre a neve

Que saltitam entre crocitos;

Espanta-espiritos, o riso da minha mãe,

Enquanto lhes dá pão,

Um riso onde tinem pingentes

De puro júbilo,

E, depois, reparado o silêncio,

Vibra uma paz desconhecida –

E esta vibração de hino,

Que mais poderia ser senão alegria?

 

Nuno Rocha Morais


quarta-feira, 14 de julho de 2021

Segredo


Só as crianças morrem

Com os olhos abertos.

São esses que a morte colhe

E deixa cair docemente sobre as flores.

A cor é o olhar das crianças.

 

Nuno Rocha Morais

 

 


sábado, 10 de julho de 2021

Também isso se aprende, não ser uma pessoa,

Ser apenas um rosto e um nome

Poucas vezes usado, cada vez menos,

Até que entre si os sons perdem os sentidos

E o nome se desagrega e se extingue.

O rosto, esse desvanece-se,

As feições desaparecem no vazio.

Não faz falta, era desnecessário,

Se isto se pode dizer de um rosto, de um nome,

Se é que a ausência deste rosto, deste nome,

Não serão para sempre a brecha

Impossível de colmatar,

O dedo que já não está no dique.

Não era só um rosto, não era só um nome.

 
Nuno Rocha Morais

terça-feira, 6 de julho de 2021

 Estivemos soterrados no inverno.

Mantivemo-nos vivos e quentes

À força de estarmos juntos.

Agora, o dia é sereno como um gato ao sol,

Repete para si estes sons de pássaros

E vento carregado de bosques –

Mantra, quase ronrons.

 

Nuno Rocha Morais


sexta-feira, 2 de julho de 2021

Balada

Combinei um encontro

Com ela e com a noite.

Apenas a noite compareceu.

 

Combinei um encontro

Com ela e com o tempo.

Apenas o tempo compareceu.

 

Combinei um encontro

Com ela e com o amor.

Apenas o amor, às golfadas

Constantes e ardentes

Compareceu. Não ela.

 

Com a noite superficial e nua,

Com o tempo e as suas pegadas nas veias,

Com o amor singular,

Compareceu a solidão elíptica.

 

Nuno Rocha Morais




Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...