domingo, 24 de dezembro de 2017

Hoje, é dia de Natal e, não sei,
Talvez estivesse só,
Se não fosse uma gaivota
Que repete círculos
Num céu estranhamente baixo,
Ela, como eu, longe do mar.
Ando por estas ruas distraídas
Que hoje me levariam a qualquer vida,
Ruas leves, à deriva, sem deus,
Um deus dissoluto, disperso em rituais,
Intocável a qualquer prece.
Há uma solidão que se espraia em mim,
Como um baldio, um descampado,
A infância faz força, pressurosa,
Contra o pensamento.
Não a deixo vir.

Nuno Rocha Morais

domingo, 17 de dezembro de 2017

“Meditações”

Aí está, Marco Aurélio, um homem indefeso
Perante as necessidades do Império,
Um homem que apenas queria uma vida
Entre quatro paredes, algumas ruas, uns poucos rostos,
Não esta imensidão viva,
Onde o latim é bombeado como sangue
E como sangue repelido.
Aqui está um homem perfeitamente comum,
Entre as coortes, atrás de um estandarte,
A glória há-de ser só umas jeiras de terra,
Não mais, Marco Aurélio, não mais
E vê como esse homem fraqueja,
Amaldiçoa, chora, como lhe pesa
O pilo, o elmo, o escudo, a marcha,
Como tem fome e tem sede,
Como o seu corpo teme igualmente
O calor e o frio. Não é um estóico,
Não é uma pedra de um império senil,
É um homem, quer vinho e mulheres,
Precisa periodicamente de não ser razoável,
De assassinar a equanimidade
E por isso será cobarde ou terá coragem.
Perdoa-lhe, Marco Aurélio:
És o imperador, ele segue-te,
Sem filosofia e, às vezes, sem deuses,
É só um homem.

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...