domingo, 20 de setembro de 2015

Compêndio

Ao fim e ao cabo, é suposto ser esta
A grande lição da vida,
Segundo a qual, ferozmente civilizados,
Nos devoramos e esfacelamos
E dos nossos restos
Fazemos a vida toda.
Cada vez menores,
Vemos cada vez maior o passado,
Um fio ténue de presente
E o ocaso alberga todo o futuro,
Mais e mais difusa
A possibilidade de todas as manhãs
De todos os caminhos por haver.
Só o amor unificaria os nossos restos,
Erguendo-os em uníssono,
Só o amor nos salvaria, só o amor.
E, contudo, já não restam neste mundo
Pasárgadas por onde possamos ir embora,
Onde sejamos amigos dos reis,
Onde tenhamos a mulher que queremos.
Só o amor, de céu muito azul
Ou nublado, só o amor
Nos salvaria neste grande suicídio –
A lição da vida.

        Nuno Rocha Morais



sábado, 12 de setembro de 2015


Trago a cabeça cheia de códigos,
Trago outros em cartões.  
São os odores, os toques de antenas,
As secreções por que o sistema,
A grande mãe cega, me reconhece.
O meu nome pouco interessa
Ou os carreiros que sigo,
Onde é a minha toca ou formigueiro.
Estes números são os poros
Por que respiro, o sinal
Que me torna visível no sonar,
Que me abre portas que desembocam
Noutras portas e estas desemportam
Noutras bocas.
Não estamos tão longe de insectos pitagóricos,
Tão longe de demonstrar a existência de Deus.

              Nuno Rocha Morais


sábado, 5 de setembro de 2015

ESTUDO Nº3 (F. CHOPIN)






















As palavras pesam demasiado
Tudo quanto dizem,
Mas esta melodia sente
Sem precisar de dizer.
Sente o teu nome que é quanto eu quero dizer.
O teu nome parece desabrochar
Nesta melodia,
Abrir-se numa ave —
Os dedos sobre o piano,
Imponderáveis e seguros.
O teu nome evanescente
Insinua-se no piano,
Na doçura plangente da melodia
Trespassa-me com os ramos de uma paz.
O teu nome é piano, melodia
E da melodia o teu vulto de langor levanta-se,
Como deusa que nascesse das águas.

         Nuno Rocha Morais


                 



Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...