domingo, 30 de novembro de 2014

Publicado no jornal "Notícias de Penafiel" (27/5/1994)

              Quem ler estes versos,
Gritos cerceados
Em negro silêncio;
Quem ler estes versos,
Voz em cativeiro,
Imolada em poema
Saiba o que há a fazer:
Quebrar os reflexos,
Conceber o espaço
De todos os versos
Em linhas de voo.
O poema só se evade
Se o leitor for liberdade.


Nuno Rocha Morais


domingo, 23 de novembro de 2014

Afinal, morre-se, mãe
E o teu ventre já não pode prometer nada.
Noite após noite, os olhos,
Os meus e os teus,
Apagam-se um pouco mais.
Afinal, morre-se sem um crime,
Pode-se morrer puramente,
Morre-se sempre, mãe.
Só o teu ventre não acredita nisso.
Eu queria morrer ao teu lado,
Porque, afinal, morre-se, mãe.
Morrer, ao teu lado, não teria significado algum;
Como morre alguém perante o lugar de nascer,
Perante a idade de que se emergiu?
Mas, afinal, morre-se
E morrer é estar de novo ao teu lado,
Mais – envolvido no teu ventre
Que afasta o tempo e a morte
De quem se prepara para nascer.




Nuno Rocha Morais

sábado, 22 de novembro de 2014

A mãe é também esse lugar de neve
E só aí a fadiga nos sobe às feições
E a exaustão se espalha pelo corpo
Que ainda, como sempre, não conhece.
Não é preciso que a mãe diga coisa alguma:
A mãe está, está no estar do fogo
Que irrompe exactamente no centro do frio,
Ainda que a mãe seja esse lugar de neve,
Onde podemos estar cansados.
A mãe é a encruzilhada de onde não partem caminhos,
Mas apenas onde todos chegam.

A mãe é a única chave de casa.

                                                   Nuno Rocha Morais


sábado, 8 de novembro de 2014

(Ao Dr. Alfredo de Sousa)



A mão que convoca e reúne:
A grafia real, o poema escrito;
E, no entanto, é como se na página,
Sobre o poema já completo,
Se sentisse ainda a busca sedenta



                                                                                            Nuno Rocha Morais






quinta-feira, 6 de novembro de 2014

"O Poder" (Publicado na revista "Incubo")


O poder

Estás comigo
E o meu passado está em paz,
Diluído.
Sinto-te, estás aqui,
Estás na minha margem do silêncio,
É minha toda a tua presença.
Um poder –
Poderosamente.

Disseste-me, então,
Que levarias tudo,
As areias do corpo,
A doçura espessa de alguns gestos,
Tudo: os oásis da música,
Os rastos do sussurro,
Os verbos termos em que adormecíamos.
Deixas, porém, as noites violentas,
O deserto da casa,
A tua presença.

Que passa no silêncio das coisas.



Nuno Rocha Morais 

domingo, 2 de novembro de 2014

(Inédito)

A minha dor nada importa,
Tornada já rotina,
Mas que sobre mim caia
Toda a guerra, todo o tormento,
Que de mim nunca transbordem,
Que em ti toda a terra
Ecoe em paz.

E à minha dor
O teu não a sentir
Trar-me-á alegria bastante.



Nuno Rocha Morais



Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...