segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A casa

As camas, a mesa, as cadeiras,
Almofadas, lençóis, cortinas, tapetes –
Assim começamos a insinuação
Na casa onde o vazio é uma bruma.
Vamos aprendendo como a luz inverte a sua rota,
De uma janela à outra
Para ser manhã ou crepúsculo.
Começamos a respeitar o ritmo da casa,
A aceitar os diferentes tempos e silêncios
Dos quartos, da cozinha, da sala.
Depois chegam as coisas vivas,
Como os livros, as plantas, os quadros,
Os discos, as fotografias,
O jogo de xadrez para a mesinha:
Vão-se divisando os tons de uma memória
Que a casa aceita como sua
E nós entregar-lhe-emos o sono e a confiança.
Só faltam as nossas vozes e passos
Para definir o espaço da casa que se deslaça.
Assim a casa começa a respirar connosco,
Nossa, nítida.

Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 1 de novembro de 2017



            Os nossos mortos sabem tudo sobre nós:
Conhecem as nossas palavras, as nossas almas
Por dentro, porque aí vivem,
Conhecem as bolsas de reserva,
As traições e as falsidades,
Conhecem até o que sobre eles
Nunca sentimos ou só começamos a sentir,
E por remorso, demasiado tarde.
Sabem tudo sobre nós, os nossos mortos,
E resta esperar que nos perdoem
O pouco que somos, e tantas vezes falso.

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...