Pronto, deixem-me, amanhã, vou sair de casa,
Tenho vinte e cinco anos e fiz ontem
Anos de morto, amanhã vou ter fome,
Amanhã, não vou ter nada senão versos
E neles estarei irremediavelmente só
Com os objectos que ninguém cantou,
Com os baldes, os cinzeiros,
Amanhã, vou lembrar-me do pai, da mãe, do irmão,
Dos avós, dos tios, das primas e primos,
Amanhã, terá sido tão fácil tê-los perdido,
Terá sido tão fácil ter arcado com o ódio granítico
dos amigos,
Amanhã, já ninguém me ama, a barba esconde-me o
nome,
Amanhã, a minha alma desabou e isto não quer dizer
nada,
Para quê falar desse amanhã de madeira podre?
Amanhã, vou aprender a lamber feridas,
A perder o pudor quanto ao sangue,
Amanhã, a vida vai matar demasiado lentamente,
Mas isso não importa rigorosamente nada,
As vidas vão continuar, apressadas e prosaicas,
Sob um céu indiferente, sob esparsas e poéticas
aves.
Nuno Rocha Morais