sábado, 24 de outubro de 2015



Embora me quisesse prender a outros dias,
Nunca sair de lá, Houdini ao contrário –
Ficar é bem mais difícil
Do que conseguir sair.
Se virem a minha amiga Joana,
Digam-lhe, digam-lhe só, sei lá,
E se a virem, ela, bem colocada
Na literatura brasileira, interceda por mim
E peça, lá no empíreo, perdão a Vinícius
Pela barata imitação.
Se virem a minha amiga Joana,
Digam-lhe que na minha alma entraram
Muitos funerais, mas não falo da morte
E lhe ofereço um ramo de saudades,
Flores um tanto escuras;
Se virem a minha amiga Joana,
Digam-lhe que lhe sinto a falta
Digam-lhe que lamento, mas entendo e não entendo.
Se a virem, digam-lhe que me faz falta, enfim,
Um pouco da sua alma
E que não sou justo com outros amigos meus
Por lhe sentir a falta assim.
Se virem a minha amiga Joana,
Digam-lhe que isto vai, um dia de cada vez,
Às vezes mais, mas só por engano.
   
Nuno Rocha Morais

sábado, 17 de outubro de 2015


Retorno aos teus braços,
Relembro a presença da luz.
Apago as guitarras chorosas
Que o dia fez desaguar em mim,
Esqueço as fendas de viver a morte
Por onde me vou esvaindo,
A presença cada vez mais silêncio.
Retornei, vesti outra vez aqueles velhos hábitos,
Habito de novo aqueles olhos felizes.
Sem estrelas, sim, mas com sonhos.
Regressei à minha infância de sempre,
A infância de onde nunca parti,
Mas que partiu de mim (parece que isso se chama crescer)
E depois tive que assinar cada dia
Com uma gota de sangue,
Mas agora voltei e adormeço no teu nome:
Mãe.

           Nuno Rocha Morais

domingo, 4 de outubro de 2015












Aquelas luzes todas,
Aquele movimento confuso, larvar,
Aquelas paredes onde se encerra
Uma incerta meia-dúzia,
Ocupada com os seus instrumentos de precisão
Para a omnipresença e a omnisciência,
Aquela cidade justa é a humanidade.
À volta das paredes, não menos humanos
São os milhões de ilhas
Formadas por pessoas que se agarram
Enquanto morrem
Abandonam-se entre si,
São indiferentes a toda a indiferença
Que os rodeia, os das ilhas
E os da cidade.
Preferem a companhia das baratas,
O amor dos escorpiões,
A confiança devotada por serpentes.

     Nuno Rocha Morais

     

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Não rasgo nada,
Bilhetes, cartas, fotografias,
Não queimo sequer
A memória dos teus olhos,
Não retribuo a dor
Que geraste –
A crueldade não te pertence,
É a de um amor
Que ficou para assistir
Ao seu próprio fim.



       Nuno Rocha Morais 

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...