sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

  

Porque tudo é um procurar-te,

Um revolver a terra funda

Da ausência, onde te desvaneces,

Onde deixas de existir.

Porque tudo é um procurar-te,

Até o tempo.


Nuno Rocha Morais

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Lá fora, o enredo violento

Da chuva e do vento,

Como sílabas furiosas

De uma história de amor.

Cá dentro, tilinta a substância

De copos e risos e uma alegria

Quase compulsiva,

Esta vontade de inventar estrelas,

Perguntam-me por ti,

Incessantemente, em revoadas,

Perguntam-me por ti, perguntam,

Perguntam e eu não sei

E apercebo-me do súbito silêncio

Dentro de mim

Numa noite de Natal.


Nuno Rocha Morais
 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 Chegou não sendo ninguém,

A figura vazia, o peregrino

De nenhuma fé,

Nenhum rasto deixavam 

Os seus passos sobre a neve, 

As suas mãos não poderiam

Mover sequer uma folha.

Chegou a uma vida

De absoluta indiferença,

O inverno era o mais frio

Em muitos anos.

Dormiu em camas várias

Sonos emprestados;

Olhar apenas sentado

Era a única possibilidade de viver.

Deixou-se cair para render

Homenagem ao abismo,

A maníaca hora das refeições,

Os solitários agarrando-se

Ao seu vazio como única sobrevivência,

Em tudo isto, ninguém.


Nuno Rocha Morais

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

 

A casa gorgoleja, estala, range,

Estuda-me com ruídos estranhos

Que me rondam como animais –

Numa reacção física, regougam, rosnam,

Porque aqui o estranho sou eu,

A minha respiração é uma interferência

Na ordem do som e do espaço.

Na noite seguinte, os ruídos cessaram

Ou tornaram-se uma voz familiar,

Uma presença tutelar,

Como o perfume e a respiração

Do sono ao meu lado.

Agora que não falamos a mesma língua,

Passamos o dia inteiro na penumbra

À procura numa cama de uma raiz comum,

De um sinal de encontro, de reunião;

O amor tem tudo de uma investigação filológica,

Excepto as palavras, que enlouquecem ao segundo dia

Como insectos enclausurados,

Para morrerem ao terceiro.


Nuno Rocha Morais (Poemas dos Dias-2022)

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Cosmogonia

Não sei. Não me lembro.

A memória não enreda vultos,

Milénios domados pelo esquecimento,

Histórias anteriores a toda a História.

Mas, por vezes, imagino células do tempo

Que se agrupam em dias

E os dias são a primeira coisa criada,

A primeira resposta ao não haver nada,

Nem sequer o silêncio das existências.

E os dias começam os trabalhos.

Da luz líquida nascem as águas;

Da luz opaca, opressiva, a terra;

Da luz incandescente, o fogo;

Das estradas da luz, o ar;

E os trabalhos vão-se fundindo,

Povoando os dias.

Talvez tenha sido assim. Não sei. Não me lembro.

Existiremos, quando o nosso início

Mais não é do que figuras de sonho?  


Nuno Rocha Morais

(Poemas dos dias - 2022)

Este foi o poema de base da apresentação do livro Poemas dos Dias feita por Rui Santiago - "Cosmogonia"


domingo, 27 de novembro de 2022

A criança fantasia

 


Avô, tu disseste “Não é assim”,

Com todo o saber no teu bolso,

Mas eu gosto mais do mundo assim.

Gosto de dizer que a lua é a rainha do céu

Durante a noite,

E que tem um vestido amarelo

Com nódoas castanhas.

Gosto de dizer que a noite vem

Porque chovem uvas,

Uma imensa chuva de uvas.

 

Avô, não quero saber

Dos movimentos do sol.

Ou que o sol é um astro.

Não. Ele é o olho arregalado

De Deus, que é um ciclope.

 

Avô, tu sabes que eu cresci,

Mas eu gosto de ignorar os meus passos,

Fingir-me criança,

Para tornar mais leves

Os anos, que já se vão amontoando

Sobre os meus ombros.


Nuno Rocha Morais (Poemas dos Dias 2022)

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 

Misturam-se os corpos, não se misturam as vidas.

Sente-se em cada corpo 

A tensão dos segredos,

A resistência das ânsias

Que, lucífugas, se refugiam

Na superior distância da inexpressividade,

Um autismo urbano.

 

O corpo a corpo da indiferença,

A força que atrai cada um 

Para dentro do seu próprio mundo.

 

Um homem carregado de embrulhos

Risonhos em cores berrantes;

Uma mulher que espreita a aranha de um relógio;

 

Cada um enfrenta sozinho a sua vida

Sem descobrir gente dentro dos corpos

Que o rodeiam;

Ninguém olha cada pessoa como merece

Quem olha as pessoas?


Nuno Rocha Morais

terça-feira, 1 de novembro de 2022

A visita

Chegou sem aviso e instalou-se.

Ao princípio, nada disse. 

Depois, começou a falar, pausadamente,

E, a sua voz, uma imensidão

Defluía, humilde;

Não mostrou o rosto,

Mas estava em tua casa

E estava em minha casa.

Partiu como veio, sem aviso,

E ficamos um em frente ao outro,

Na minha casa,

A um tempo abismados e cientes

Do amor a que cada dia mais novo em nós.


Nuno Rocha Morais 

(Poemas dos Dias - 2022)

sábado, 22 de outubro de 2022

 Ela escondia-o tão bem em si,

Sem mãos e sem lábios,

Em ruas sem nome, portas sem número,

Que o rosto dele dispersou como pó

E é uma impossibilidade;

Ela escondia-o tão bem em si,

A ponto de a carne dele ser uma mentira

Que o corpo não bastava para desmentir.

Agora, atingido este conforto,

Verdade alguma o pode encontrar

E tudo acaba bem, com ela a esquecer

Que alguma vez o escondeu,

E ele mesmo esquecido de si.


Nuno Rocha Morais

sábado, 15 de outubro de 2022

Aproximam-se os tempos impossíveis

E nada do nosso possível lhes servirá de antídoto,

Nem sequer os umbrais ungidos de sangue.

Nada poderá impedir que chegue

O chacal com o lacaio pela trela.


Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Estação


 Ai, as cidades aproximam-se

De novo do mar,

Numa zanga superada,

E suponho que, agora,

À mesa de uma esplanada,

O teu riso decreta o Verão.

E uma estação arrefece. 


                                             Nuno Rocha Morais

terça-feira, 4 de outubro de 2022


Não gritei: já sabia que Deus

Me tinha abandonado.

Não pedi que afastasse de mim o cálice

Porque eu era o próprio cálice.

Depois da sexta crucificação,

O meu corpo era tao insensível

Às suas chuvas como a terra estéril.

Batiam-me, os seus movimentos

Rasgavam-me, mas eu já estava

Fechada, como flor anoitecida,

Muito longe de mim,

Onde não me podiam alcançar.

Eu sabia que eles voltariam

Ainda muitas vezes,

Mas nem o seu ódio me conseguiu engravidar.


 Nuno Rocha Morais

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Questões de vocabulário

À minha paciência chamarás cobardia

E não tenho como te desmentir

Porque, então, o significado é um extremo –

Para além dele só o abismo.

E, assim, todas as palavras em mim

São indefensáveis, apenas me posso calar.

Mas, então, pelo silêncio, acuso

Ou escondo, ou falseio.

Na verdade, o meu silêncio é uma sucessão

De incisões, de histórias fossilizadas.

Não sei de ti, mas desaprendi a perguntar.

As perguntas sobem ou descem?

O céu é a suspensão de uma coisa,

A terra é a consequência ou vestígio de outra.

Paralelos, pacientes, cobardes,

Jamais se infringem, nada farão um pelo outro.

À mais perfeita indiferença ouvi

Chamarem amor. Talvez fosse.

Sentem algas e é amor.

Pontapés nas costas e é.

Acessos de tosse. Náuseas. E é sempre amor.

À minha paciência chamarás cobardia.

Ao amor, gaiola aberta.

Nada restará de mim nas tuas mãos ténues.

Não perdoarás a paciência,

Não me perdoarás que espere por ti.


Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Fútil

 

Hoje fui completo.

Fiz quanto já tinha feito,

Lavei olhares como louça quebrada,

Pisei corações, ordenhei a luz

Quando a luz pedia noite.

 

Desenterrei a terra

Quando a terra pedia descanso,

Quis frutos quando a semente morria,

Pontapeei o amor, caguei em seios,

Escaquei horas e vozes.

 Fui “merda douta”.

 

                    O dia agarrado a mim

                    Como cicatriz.

 

Nuno Rocha Morais

domingo, 18 de setembro de 2022



No jardim de sempre, então, fiquei a ouvir

O vento em árvores familiares,

O mesmo que ouvimos juntos

Quando na voz as palavras já estão apagadas.

É apenas ouvir o vento em árvores familiares

E eu sinto que a minha casa não me espera, mas se dissipou,

Tão pouco é o que levo de ti.

E talvez por isso hoje o vento me pareça tão carregado,

Como se arrastasse algo mais do que os sons que se libertam da folhagem;

E talvez por isso este jardim de sempre e o ouvir o vento,

Tão familiar em árvores familiares,

Sejam a minha casa, onde posso viver um momento, 

Um momento que me chega intacto.

E é uma casa onde sei que te amo o bastante

Para saber que não morreria por ti,

Mas enfrentaria um perigo maior: viver por ti. 


Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

 Fervo pensativamente –

A densidade de todas as palavras já escritas,

A corrente que respira, violenta:

É contra ela que remo,

Para encontrar esse leito

De página branca,

Onde todo o voo será meu,

Onde cada vez que a mão ousar,

Não estará a ser sorvida pelo lugar-comum

De uma ousadia (o)usada.

Atravesso todas essas vozes

Que encantam e me pedem que fique

E me sente à sua sombra

A ouvir as suas histórias.

Não posso, não posso:

Mais além é a desova da palavra,

Mais além, sempre mais acima,

Sempre mais fundo.

 

Em tudo o que já foi dito,

Há algo que ainda não foi dito.



Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Para começar sento-me num jardim

À procura de um regresso que não se acha –

Túneis e galerias,

Um pais perdido tão facilmente,

Mais leve do que o pó.

Uma tarde para experimentar por fim

A minha vida,

Aquela que julguei a minha pior inimiga,

A que me roubou tudo quanto amei

E pouco me deixou nas mãos –

Mas agora não vale a pena lutar contra ela

E sorrio-me do absurdo que é sabê-lo,

Talvez mais até do que combatê-la.

É com a minha vida que me sento,

Percebendo o seu relevo lacunar –

Alguém deverá ter dito desta fulguração última

Sobre a qual vai ganhando consistência

Um sono imprestável,

Que se converte em crosta e fundura

E assim se me revela:

De nada serve ou adianta que outrora –

Ontem, apenas – um nome tenha sido amor,

O nome que se vai desmantelando

No movimento vagaroso da tarde.

Seja como for, a conta estará certa.

Para acabar, sento-me num jardim.

Ao levantar-me, serei simplesmente o que começa. 


Nuno Rocha Morais

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

É por causa dos anéis que os dedos se julgam reais –

E é a oposição entre a luz dentro

E a escuridão fora que dá consistência

Ao interior, diluindo o exterior?

O lugar é uma conjectura incongruente

E o que é que realmente nos torna reais:

Uma dívida, um número de telefone,

O nome de uma lápide?

A irrealidade irá dar o assalto final,

Baralhar interior e exterior,

Num roque inesperado,

Tudo nos consome, mas na realidade

O que é que nos consuma?


                                Nuno Rocha Morais

domingo, 21 de agosto de 2022

Fragmentos


Como pessoa, sou o que puderam ver.

Como poeta, sou o que puderem ler.


Nuno Rocha Morais

A planta pendeu,

Em desamparo absoluto.

Nenhuma água poderá salvá-la,

Nenhum sol.

É só um fio de vida

Que em breve será cortado.

Morre tranquilamente,

Sem desespero aparente,

Mas morre, sabe que morre

E mostra-o na cor das folhas,

No modo como pende.


Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

 

Foram anos muito tristes,

Anos em que ganhei dinheiro

E não servia para nada,

Para gáudio dos moralistas.

Anos em que almocei e jantei sozinho,

Em que recusei todos os convites

Enquanto esperava por ti.

Já te havia perdido, mas não o admitias,

E, mesmo sabendo-o, estava-te grato,

Grato até pela agonia.

Foram anos em que provei

Todos os presumíveis sabores da merda,

Sem nada poder dizer:

A tristeza é um dever que não se partilha.


Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Mar


Enche todos os níveis:

Dura, é imenso,

Invade o odor,

Suspende de espanto o olhar.

Ribomba nos tímpanos, 

Gela o tacto,

Domina o gosto.

 

Nardo de firmeza e poder,

Sumptuoso, imenso,

Coroado pelo sol ou luar,

Não suporta a traição:

Às ondas que desertam,

Que pretendem fundir-se na areia

Sorve e doma-as,

Desvanecendo-as.


Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 1 de agosto de 2022




De novo, o Verão se lançou ao assalto de Agosto,

Trouxe as suas árvores, aves, horas,

Trouxe o seu rito, o seu ritmo

Indolente, a cidade quase não tem pulso,

Quase não tem tensão arterial –

Sossego de não haver vento,

Mas apenas o ar em bloco,

Bloco abafante, enraizado.

É Verão, quase todos deixaram

As suas mãos operárias na cidade

E lançaram-se na conquista

Das coisas conhecidas, mas já esquecidas,

O que é bastante mais difícil

Do que tactear um espaço envolto em desconhecido

São quase todos argonautas do verde e do mar. 

Querem purificar-se no longe,

Despir por um momento a pele

Que recebe fumo, suor, pó, cansaço,

Deixar para trás a insolubilidade das contas,

Que são, afinal, a própria vida.

É Verão e, por ora, a cidade foi domada.


Nuno Rocha Morais

terça-feira, 26 de julho de 2022

 


Não te censuro que me não reconheças,

O meu tronco foi margem das estações,

Aí a água e o jogo do tempo

Cumpriram o seu dever.

Também a minha voz se perdeu

Na erosão do silêncio

E já não te posso falar da forma antiquíssima

Como o fazia quando ainda não havia tempo

A galopar, a pender, a cogitar, a esquecer.

As curvas da face são outras,

As antigas foram-se perdendo

Para que o meu coração do tempo me aceitasse.

 

Quem sou? Não importa.

O meu nome é um eco de esquecimento.


Nuno Rocha Morais

terça-feira, 19 de julho de 2022

Preciso que me esqueças

Que me esqueças até ao fim

Que me esqueças nas palavras mais fundas

Nos gestos mais leves

Nos acasos e nos retratos

Preciso que me deixes deixar a tua vida

O palco de súbito tornou-se realidade

De luz angular acre

Amar-te já não é um fogo

Tem o lastro real

Tem o seu quilate em insónias

Em leitos demasiado vastos

Preciso que me esqueças

A tua lembrança de mim

Crucifica-me em não mais poder 

Ser que lembrança

Que pesa mais que esquecimento


Nuno Rocha Morais
 

terça-feira, 12 de julho de 2022


Perdoai-me as catástrofes que não vivi.

A História não me trucidou,

Não a ouvi estrondear, zunir, pigarrear,

Não me impôs fatídica mão no ombro,

Não exigiu de mim heroísmos.

Não a predisse, não a moldei,

Não tenho nada que a esbarronde

Nem nada que a alimente

Senão um encadeamento de pequenas histórias –

Desesperos que pareceram grandes,

Mas que afinal o tempo conseguiu tragar,

Desesperos que pareciam abrir abismos

E depois se soldaram num chão inconsútil,

Que transpus sem ser precisa sequer a sombra de um salto,

Alguns males pacatos, embora incuráveis.

Vivi em escalas quase miniaturais, tons menores

Seguindo inadvertidamente a máxima

Que avisa contra os excessos.

Salvei-me da imbecilidade algumas vezes,

Mas fui imbecil muitas outras, tantas mais. 

Não porto estigmas, nem auras.

Fui humano e não um fantasma.

Os médicos, os contabilistas, os amanuenses

Que me drenam e dragam podiam bem

Ter sido verdugos numa qualquer máquina de morte –

Calhou apenas que não fossem.

Encaixarei, melhor ou pior,

Em qualquer generalização.

Serve-me a correntia placidez

De um anonimato lapidar,

Uma preparação para o pó.

Televivi claro, grandes massacres,

Maremotos, a fissão atómica de paixões

Que sem dúvida mudaram a face do mundo

E o mais terrível foi, apesar de tanta emoção,

Ter a sorte de ser espectador

Sem sentir a sua realidade

Mais do que uma imagem,

Como tantas outras, indiferentemente

Reais, simuladas, manipuladas.


Nuno Rocha Morais 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Visita-me quando quiseres, Poesia,

Terei sempre um sonho para tu encheres.

Ondas de horas 

Aportando na minha praia,

Coração evadido,

Fragmentos de ondas estacionais

Erguendo-me subitamente de cima

Do peso da luz deste cais.

São pequenas folhas de dias

Descendo sobre as pálpebras

Abafando um momento

Os passos amargos da morte.


               Nuno Rocha Morais

sexta-feira, 1 de julho de 2022


A forma oficia o barro,

É muitos indivíduos informes,

Uma revoada de equívocos

Que não admitem réplica,

Manancial: sou.

Aqui estão coisas que não chegarão a ser,

Tantos e tantos futuros. Seja.

Há talvez um nome que me procura,

Élitro e música que desce

De onde não pode ser ouvida

Para o último seu destino primeiro,

Onde não será ouvida,

Porque o seu verdadeiro destino é este,

A duração, deixando a memória

De uma vibração inscrita no espaço,

No som do tempo e do espaço,

Como a anilha na pata de uma estrela.

O ser estrangeiro é enorme

Dentro de mim, devora-me,

Perde-me: talvez dure,

Não sei, vibre, nome de música própria.


Nuno Rocha Morais

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Altruísmo


Deixem-me ser homem,

No outro homem,

Pelo outro homem,

Deixem-me vencer este sangue monolítico,

O coração monocórdico,

Deixem-me ver mais além

Que os meus próprios olhos,

Construir mais alto

Que a pequenez dos meus braços,

Apontar outros barcos.

Deixem-me, vocês, aí,

Heras ou estátuas

Que detêm o meu choro e o meu riso,

Vocês, aí, que me decepam as mãos,

Me atulham a voz com palavras de porcelana,

Vocês, aí, que só sabem calar

E sabem ver morrer:

Deixem-me viver o meu peito como a página

De um dia claro. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 19 de junho de 2022

Sacrifícios da moda

Por falar da noite, herdei o romantismo:

Estou catalogado por romântico,

Ando vestido de romântico,

Falo por gestos de romântico,

Estou up-to-date: sou romântico

E estar na moda não é ser poeta,

Mas, neste caso é ser romântico.

 

Num peso levíssimo, sinto

Tanta, toda a poesia que não posso,

Toda a poesia que não sei,

Toda a poesia iminente, latente

Que em mim não se faz ouvir.

 

Sou romântico, estou na moda, não sou poeta.


Nuno Rocha morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...