sexta-feira, 30 de março de 2018

Catedral, palato de Deus -
Aqui, a morte é remissa,
Os mortos, tangenciais;
O tempo parte, a luz verga-se
Ou parte também
Em lábios apresados.


Nuno Rocha Morais

domingo, 25 de março de 2018

CONTRASTE


 
A cidade e o velho.
A cidade, tecido fumoso e irregular,
Onde moléculas se agitam, fervem,
Constroem, destroem.
E o velho, que sentado num banco de jardim,
Estático, fixa algo,
Talvez o pórtico da vida
E Infinito.
A cidade vive devorando-se
O velho morre vivendo.


Nuno Rocha Morais

domingo, 18 de março de 2018

Rangem enxárcias no ar
E as árvores esbracejam,
Como náufragas.
Cada folha apresta-se para a tempestade
Para desempenhar o seu papel no terror
Entre nuvens sulfúricas,
Na presúria do vento.
A tempestade que chega com um vagido
E as nossas duas almas que se rasgam
Como se, alguma vez, fossem uma,
Agora, na tempestade, no terror.

                               Nuno Rocha Morais

sábado, 10 de março de 2018


Os botões brilham? Oh, sim,
Os botões brilham como óvulos.
E as botas brilham? Oh, sim,
Brilham tanto de tão negras e polidas,
Que a nossa marcha em todo o lado
Deixou por rasto o abismo.
As armas estão limpas? Oh, sim,
Delas flamejam o fogo mais puro
E a morte mais limpa.
Os uniformes engomados? Oh, sim,
Tão bem engomados que dispensariam
Homens lá dentro.
E o olhos dos homens? Oh, esses,
É que já não têm homens dentro.
Mantém-se a disciplina? Oh, sim,
Até mortos, os homens vão de passo certo.
Juncam o campo, morreram por nada,
         Mas com garbo. Não nos deixaram mal, os rapazes.

                                                              Nuno Rocha Morais    

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...