terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Duas visitas à morte







Em certa manhã cinzenta,
Visitaste Verdun –
Como se patinhasses sobre vísceras.
E em outra manhã idêntica,
Trajando a mesma luz cendrada,
Como parecia impor-se,
Visitaste Auschwitz.
Passaste a ter horror de comboios,
A tua saliva fez-se pó.

                              Nuno Rocha Morais    

domingo, 25 de janeiro de 2015

Concerto







Silêncio na sala delimitada
Rigorosamente pela escuridão –
À luz, apenas a derrogação em cena,
Agora, a música – mão
Aflorando folhagem e súbita
Gestação de anjos e elfos
E de um deus cavo e sombrio.
Agora, há uma razão
Para a estultice de um trocadilho:
Esta é uma sala de desconcertos.
A música traz em si voo
E espaço, espaço que invade o espaço da sala
E com ele foge em todas as direcções.

          Nuno Rocha Morais


sábado, 24 de janeiro de 2015

Os gatos vagueiam pelas horas
Que pousam sobre os telhados dormentes,
São parcelas da noite em movimento,
Formas sussurradas pelo espaço,
Rasteiras, como o amor ou mágoa nevoosa.
Eludentes, nos seus olhos incandesce o vazio.
São como os sonhos –
Aparecem e desvanecem-se,
Movem-se com um quê de verso.



                              Nuno Rocha Morais


domingo, 4 de janeiro de 2015












O inverno começa por ser
Um cheiro a naftalina,
Uma alegria de melenas,
O sangue da infância
Em fios de lã.
Será depois o gosto das castanhas,
A voz da mãe e a da chuva
Como se fossem uma,
E o devaneio do fogo da lareira
Até tudo ser sono.

Nuno Rocha Morais





Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...