sábado, 25 de agosto de 2018

Tu não dançarás: os teus olhos  não
Dançam, os teus lábios não dançam,
Como não dançam as tuas mãos,
E, assim, toda te juntas em não dançar,
Um feixe de forças, danças,
Submetido a um bloco que és tu,
Perfeitamente esculpida
Num movimento que só à distância
Se deixa detectar, um andamento
Que não conduz, nem se deixa conduzir –
Tu. Assim é a tua vida, ciosa,
Uma dança apenas subentendida.

 Nuno Rocha Morais

segunda-feira, 20 de agosto de 2018




Perguntarás, por certo, quem sou,
Quem fui e eu não saberei responder
Porque me terás esquecido.
Serei identidade dissipada,
O anel incompleto na viagem
Em torno de si mesmo,
Dirás um verso meu,
Dirás que pertence a um poeta morto
Muito antigo,
E eu buscarei nas páginas vivas
De poetas há muito mortos
Esse verso que nunca acharei.
Falar-me-ás da minha morte
Já acontecida.

                                Nuno Rocha Morais

domingo, 12 de agosto de 2018

A toupeira


Existe apenas para ser uma intrusa,
Escavando galerias na consciência
Até ser percebida por ela: talpídeo.
É um pequeno corpo persistente,
E talvez fosse adorável como animal de estimação,
Se aceitasse a estimação.
Em vez disso, vive nos jardins alheios,
Obstinada na sua independência cega.
É talvez por isso odiosa,
E não tanto por deixar nos jardins
Os inestéticos montículos ou arruinar hortas;
Talvez porque se torna o espelho
Das paixões de bastidores,
Das más intenções que não se denunciam
Sequer por montículos,
Dos pequenos ódios inconfessáveis
E talvez por isso a persigam
Com tanta sofisticação –
Dos químicos aos dispositivos sonoros
E até à subtileza dos explosivos.
Não é justo para a toupeira
Tornar-se uma espécie de consciência.

Nuno Rocha Morais

domingo, 5 de agosto de 2018

Homenagem a RUY BELO(seria presságio esta homenagem)


Será o poeta mais verdadeiro
Aquele homem que cedo morre,
Deixando assim a sua palavra infatigável
Perpetuar o poeta?
Será que a morte do homem
Cauteriza a morte na palavra?
Não sei Ruy, não sei,
Mas não saber é o verdadeiro oficio do poeta,
Incendiar a dúvida na palavra:
E onde ela hesita, se torna leve e bruma
Surge o poema.
Tudo isto soubeste, Ruy,
O sacrifício da tua imagem –
Atravessaste com ela os dias,
Afagaste-a nas noites, nos versos
Porque toda a imagem de um homem
É sempre injusta e só o poeta o sabe.
Morreste no verão, a estação, a tua estação,
A estação por onde sempre reconheceste a alegria,
O mar mais amplo ao longo do dia,
Possivelmente, menos salgado, esquecido
Das lágrimas do tempo.
Morreste no verão, onde as noites são menos densas,
Menor é o esforço de morrer,
A morte, um pequeno sopro
E, depois, calma.

Nuno Rocha Morais

sábado, 4 de agosto de 2018


Toda a ferocidade, lembrem-se,
É uma exigência de ternura.

Resigna-te a sofrer -
Sofre, pois, a resignar-te.


Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...