sábado, 24 de novembro de 2018

Ainda bem que as crianças são subterrâneas,
Animando sombras e colorindo-as;
Ainda bem que nenhuma feição das crianças
É de pedra, trazendo dos rostos
A verdura das manhãs;
Ainda bem que nada nas crianças é real,
Ainda bem que as crianças não têm nome,
Tendo um nome comum, o da infância.
Ainda bem que as crianças são respirações
De planetas distantes,
Aparentemente impermeáveis à orbita de orvalho da vida,
Ainda bem que as crianças têm nos dedos
Todos os gestos possíveis.
E que dor imensa ver as crianças atiradas
Para o fluir ígneo da estrada.

Nuno Rocha Morais

domingo, 11 de novembro de 2018

O poema mais belo do século XX
Escreveram-no os generais da I Grande Guerra,
Com tropos como Verdun, Sounne, Paschandele,
Recursos como a lama e o arame,
Cavalos-de-frisa e o som do apito para o ataque,
Apenas o gás vivo na terra-de-ninguém,
A manhã que matou Wilfred Owen
No canal de Oise-Sambre.
As potencialidades fónicas
Cenográficas, pictóricas, expressivas da morte
Nunca foram tão bem exploradas,
Não se escreveu poema mais rico,
Tantas são as intertextualidades
Com as últimas palavras de nove milhões de homens,
O Génesis reescrito.
Nenhum verso tem a veemência
O poder expressivo do "shrapnel".

in "Galeria" de Nuno Rocha Morais

domingo, 4 de novembro de 2018

              Com fogo e perda obtém-se
          Uma gota mais perfeita
          Do que oxigénio, hidrogénio,
          Cloro e sódio na planura
          De uns olhos.
          Decomposta uma lágrima,
          Não se surpreenderá sal e água,
          Mas fogo e perda.


          Nuno Rocha Morais


Cl

quinta-feira, 1 de novembro de 2018



A música, parecendo embora
Aprisionada nas grades de uma pauta,
Torna sempre imprevista,
Perpétua surpresa, ainda que escrita.

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...