domingo, 29 de setembro de 2019

NERVAL


Lá fora, a noite preta e branca.
O avião trepida, por entre a neve 

Como dilacerado entre dimensões. 
Pontos esgarçados pela velocidade 
Transformam-se em linhas.
A loucura pode ser o mesmo
Que a sabedoria; a memória
Pode ser espaço; uma mulher 

Ilumina e perde. Ao cabo de tudo, 
Resistir à poeira escolástica. 

     Nuno Rocha Morais (Galeria)

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

FERNÃO DE MAGALHÃES

 
Ali, onde já a praia deve mar
E as ondas se repartem em chegada
Ou regresso ao oceano do horizonte;
Ali, onde o vento inda é eco de luta

E as conchas inda esgares de outro sangue;
Ali onde caiu quem nunca cai,
Ali onde jaz o nome da aventura
Ali, o unificador da união,

Guia imolado para que houvesse
Nova luz no caminho já traçado,
Para que entre a bruma clareasse

A terra, p´ra que houvesse um limite
Para que este mundo fosse o nosso,
Para que a humanidade fosse nossa.


Nuno Rocha Morais

sábado, 14 de setembro de 2019













Ridículo, claro:
Também o chão é aleatório,
Não um aliado;
Um jogo casual de rios,
Ervas, pedras , cidades, fronteiras.
Mas, enquanto o rugido
De uma turbina me arrasta
Para longe, longe de tudo –
Um pequeno tudo,
Algumas ruas onde assomam rostos
E um sol familiar
E uma partitura de ruídos
Que são a minha vida –
Cresce uma angústia
Que se vai tornando espaço,
Aresta, planalto, continente,
E me empurra contra uma superfície
Lisa, como de metal,
Onde não deixam marca
Unhas ou dentes.
E esta angústia, só esta angústia,
Deve ser a minha pátria.


Nuno Rocha Morais

sábado, 7 de setembro de 2019

Que não seja o mito
De mamas e rabo grandes,
Mas o sol regido pelos caprichos
De uma lua saturnina.
Só os barbitúricos a compreenderam,
Só foi feliz nesse limbo,
Ausente da carne queimada
Por focos e holofotes,
Ardendo entre dois nomes,
Sufocando nos sorrisos e beijos contrafeitos
Sob todos os rostos
Que nela quiseram ver –
A loura, a bela dos calendários,
A voz aveludada e estúpida.
Mas de nada lhe serviu ser Marilyn,
Não pode ter sequer os seus sonhos.
Ser Marilyn tornou-se o pesadelo imortal –
Encurralada na mulher
Que só sofreu o amor,
A chama procurando refúgio
E encontrando sempre a extinção
A morte de Marilyn é a história de um crime
E a arma, o que restava de Norma.

Nuno Rocha Morais (Galeria)

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...