domingo, 21 de julho de 2019















J´ai plus de souvenirs que si j´avais mille ans.
                                                   Ch. Baudelaire

Acontece, às vezes, que sou demasiado velho.
Caudaloso, transbordo das margens,
Sinto-me maior que a ciência do tempo
E nada há que eu não tenha feito
E não há espesso cansaço que eu não conheça.
Tudo parece repetir-se
No fluxo de um ciclo conhecido e fechado,
Tudo possui um eco dentro da minha idade.
Já não me espanto somando as ruas
E as gentes com as estações.
O timbre da lágrima ou do riso sobre a página
Despertam o verso mais citado,
O verso que, de tão famoso, é já silêncio.
Venci a densa questão e o medo e a maravilha.
Acontece, às vezes, que sou demasiado velho,
Que em mim a vida mata por ser infinita.

Nuno Rocha Morais (Galeria)

segunda-feira, 15 de julho de 2019






Dizem que puseram um homem na lua:
Não acredites.
E que tivessem?
O que buscam no minério dos astros?
Quanto tocam do Universo
É sempre o mesmo nada
Perante o Universo.

«Um pequeno passo para mim, um grande passo para a humanidade».
Chegaram à lua.
A única coisa que mudou foi isto:
Pode morrer-se mais alto.

Nuno Rocha Morais (Galeria)
(Faz hoje 50 anos da ida do homem à lua)

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Tango

As pernas alongam-se na dança,
São sombrias, misteriosas como vielas
Onde são gatos.
Dois corpos são um corpo,
O langor, a graça, o desejo,
Mas não sendo carne,
Ou não mais do que as mãos,
Trágicas por conduzirem o destino,
Não mais do que este roçagar,
Esta pele aflante e lábios entreabertos
De que só o tango conhece o segredo,
Para que a tristeza se apague
Sendo dançada.

Nuno Rocha Morais

domingo, 7 de julho de 2019

A M. de Sá-Carneiro
e ao Rui Bacelo
 
Foi sempre o menino exemplar.
Nunca foi além do seu nome,
Nunca correu atrás da luz
Quando ela, com as pombas,
Deixava a sua janela.

Foi sempre o menino exemplar —
Nunca amou mas temeu os vimes
E respeitava ciosamente os muros.
Foi feliz?
Foi sempre o menino exemplar.


Nuno Rocha Morais (Galeria)

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...