quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021


 

Não me demoro, prometo:

Há, afinal, tantos indícios

De que também o mundo tem pressa,

Tanto vento a levar o dia

Numa respiração desesperada

Com sacos plásticos e folhas e cabelos.

Afinal, como poderia eu ficar,

Se todos os dias há algo mais,

Um pouco mais, do coração

Que é arrastado pela corrente,

Cobrado pela erosão?

Educaram-me a nunca pecar

Pela presença em excesso,

A fazer-me escasso ou invisível

Antes de me tornar indesejável.

Mas será possível que seja

O amor a indesejar-nos?

Sem dúvida, até essas mãos que nos quiseram tanto,

Que queriam agarrar-nos a alma

Com todo o tipo de sortilégios tácteis,

Mãos de dedos alciónicos

Que pareceram prometer tempo,

Calmaria, bonança,

Até esses começam a suar de tédio,

E inventam desculpas para serem livres

E eu prometi sempre que não me demorava.

 

Nuno Rocha Morais

sábado, 20 de fevereiro de 2021

 

Envelheci. Tanta coisa se fez jovem

À custa da minha juventude.

O amor fez-se jovem

No meu sangue, na minha angústia,

Na minha ironia,

Onde continuamente aportavam sonhos.

Envelheci. Já não espero nada,

Já não creio, já não desejo.

Sei, claramente, que a idade

Vai espessando pelos lugares,

Sei, claramente, que vou ficando

Aqui, só, entre o vazio

            De já não esperar nada

E sei que a minha vida me olha

Como um cão suplicante.

Sei que a minha vida

Espera de mim uma esperança.

 

Nuno Rocha Morais

domingo, 14 de fevereiro de 2021

I

Porque eu queria dizer amor

Com a mesma palavra

De outra maneira,

Talvez porque sinta sufocação,

Afogamento em círculos,

Um dia fechado numa noite,

Incapaz de se prolongar

Na novíssima luz,

Dia asfixiando no tempo.

Porque eu queria dizer amor

Na palavra não concluída,

Mais ampla, expansão,

Ondas e ondas de choque,

Uma palavra de limites

Impensáveis para qualquer arte,

Palavra de alento e espanto,

Palavra que fosse realmente

A coisa que dissesse

Porque eu queria dizer amor

Para o criar

Numa palavra que jamais estancasse.

 

II

Porque o amor não fica

Nessa palavra,

Mas evola-se em pó,

Subjugado pelo vento

Que preside ao dizer.

E fica o amor prisioneiro

No redil da inaudível pulsação

Que escava a insónia

E é erosão.

O amor não fala de si,

Não pode e não se mata,

Apesar de mais e mais

Despenhado em si mesmo

Dura, sonhando, porém, a sábia sílaba

Que despolete o esquecimento

E lhe ponha fim.


 

 Nuno Rocha Morais


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Não há experiência inútil,

Não desperdices nenhuma decepção,

Espera que um desalento mais

Se junte às tuas forças.

Até o amor te parece uma insistência fútil,

Talvez seja de facto uma insistência fútil,

Mas só o saberás se insistires

E também isso é útil.

 

Nuno Rocha Morais

domingo, 7 de fevereiro de 2021

 

 Dizem os físicos que o espaço-tempo é um bloco –

Que passado, presente e futuro estão já dispostos

Para entrarmos neles.

Como demonstração, um nome regressa do teu passado,

O nome que deste a noites felizes –

Uma inconfidência secreta,

Que te deixa secretamente nua

E a mim, ou por existir num limbo qualquer

Ou discretamente morto

Às mãos de um passado que não morre nunca,

Mas nos ronda, rapace,

Farejando já a carcaça futura

Na carne ferida, de tão presente.

Um nome que ondeia nos teus lábios

E lhes dá a forma de um mar longínquo,

Banhando uma praia invisível –

Ou um corpo.

[Um nome acaba por ser uma equação,

Uma fórmula, um mapa,

                   O sinal vedor sobre um lençol de água.]

 

Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

 A felicidade há-de acabar

Quando já soubermos ser felizes,

Posto que o Inferno só acaba

No fim do Céu.

Atravessaremos o enredo da nossa dor,

Encontraremos uma pupila nua,

Portas de silêncio.

Isso não será a felicidade,

Será a morte e não voltaremos jamais

A quem fomos,

Nada poderá ser feito de novo

E gestos antigos estilhaçar-se-ão nas mãos

A grande sombra de um não,

Garantia de que não retrocederemos

Nunca encontraremos a felicidade:

Ela habita inteira no passado

E, no entanto, nunca a encontramos.

 

Nuno Rocha Morais

Deram-nos uma liberdade de cravos Desenterrada dos mais sombrios tempos – Crónica da memória – Liberdade pisada, amarfanhada Nas profundezas...