terça-feira, 12 de julho de 2022


Perdoai-me as catástrofes que não vivi.

A História não me trucidou,

Não a ouvi estrondear, zunir, pigarrear,

Não me impôs fatídica mão no ombro,

Não exigiu de mim heroísmos.

Não a predisse, não a moldei,

Não tenho nada que a esbarronde

Nem nada que a alimente

Senão um encadeamento de pequenas histórias –

Desesperos que pareceram grandes,

Mas que afinal o tempo conseguiu tragar,

Desesperos que pareciam abrir abismos

E depois se soldaram num chão inconsútil,

Que transpus sem ser precisa sequer a sombra de um salto,

Alguns males pacatos, embora incuráveis.

Vivi em escalas quase miniaturais, tons menores

Seguindo inadvertidamente a máxima

Que avisa contra os excessos.

Salvei-me da imbecilidade algumas vezes,

Mas fui imbecil muitas outras, tantas mais. 

Não porto estigmas, nem auras.

Fui humano e não um fantasma.

Os médicos, os contabilistas, os amanuenses

Que me drenam e dragam podiam bem

Ter sido verdugos numa qualquer máquina de morte –

Calhou apenas que não fossem.

Encaixarei, melhor ou pior,

Em qualquer generalização.

Serve-me a correntia placidez

De um anonimato lapidar,

Uma preparação para o pó.

Televivi claro, grandes massacres,

Maremotos, a fissão atómica de paixões

Que sem dúvida mudaram a face do mundo

E o mais terrível foi, apesar de tanta emoção,

Ter a sorte de ser espectador

Sem sentir a sua realidade

Mais do que uma imagem,

Como tantas outras, indiferentemente

Reais, simuladas, manipuladas.


Nuno Rocha Morais 

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