Perdoai-me as catástrofes que não vivi.
A História não me trucidou,
Não a ouvi estrondear, zunir, pigarrear,
Não me impôs fatídica mão no ombro,
Não exigiu de mim heroísmos.
Não a predisse, não a moldei,
Não tenho nada que a esbarronde
Nem nada que a alimente
Senão um encadeamento de pequenas histórias –
Desesperos que pareceram grandes,
Mas que afinal o tempo conseguiu tragar,
Desesperos que pareciam abrir abismos
E depois se soldaram num chão inconsútil,
Que transpus sem ser precisa sequer a sombra de um salto,
Alguns males pacatos, embora incuráveis.
Vivi em escalas quase miniaturais, tons menores
Seguindo inadvertidamente a máxima
Que avisa contra os excessos.
Salvei-me da imbecilidade algumas vezes,
Mas fui imbecil muitas outras, tantas mais.
Não porto estigmas, nem auras.
Fui humano e não um fantasma.
Os médicos, os contabilistas, os amanuenses
Que me drenam e dragam podiam bem
Ter sido verdugos numa qualquer máquina de morte –
Calhou apenas que não fossem.
Encaixarei, melhor ou pior,
Em qualquer generalização.
Serve-me a correntia placidez
De um anonimato lapidar,
Uma preparação para o pó.
Televivi claro, grandes massacres,
Maremotos, a fissão atómica de paixões
Que sem dúvida mudaram a face do mundo
E o mais terrível foi, apesar de tanta emoção,
Ter a sorte de ser espectador
Sem sentir a sua realidade
Mais do que uma imagem,
Como tantas outras, indiferentemente
Reais, simuladas, manipuladas.
Nuno Rocha Morais
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