domingo, 13 de abril de 2025



Tudo o que esquecemos

Em nós se encontra:

Os instantes que fizemos

São, também eles, artefactos,

Alguns que se perderam do tempo.

O que esquecemos

Não se perde, todavia, de nós –

É antes uma memória inversa,

Em negativo, presença codificada.

Mas não importa,

Quem quer que esteja

Do outro lado de nós –

Deus, diabo ou nós mesmos –

Há-de lembrar-se.

Posto que não há destino,

Não é senão a vida em encruzilhadas,

Tu e eu juízes delas.


Nuno Rocha Morais

Poemas dos Dias (2022) 

sexta-feira, 4 de abril de 2025





A minha voz pode esquecer-te,

Mas não o meu silêncio.

De sofrer por ti fiz a minha casa –

O escárnio e o absurdo

Passam sempre, por mais que durem.

A casa fica.

Que me esqueças é a única morte,

O único deserto.


Nuno Rocha Morais 

sábado, 29 de março de 2025

Visão Heraclitiana


Corola profanando a noite,

A lua.

Se olhares para cima,

Ela pinga-te nos olhos

E, cada vez que olhares,

É outra a lua que pinga.


Nuno Rocha Morais


sexta-feira, 21 de março de 2025

Saga do poeta abandonado

 
Meus sete irmãos partiram,

Cada um por cada dia.

Cada um por cada sol,

À descoberta da terra.

 

Só eu fiquei abandonado,

A chorar de poesia, 

Poesia a cada dia,

Poesia a cada sol. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 16 de março de 2025

Primavera


 Um frémito desperta

A paz de ossos acomodados –

A Primavera desponta

Como um problema exótico

Que todos os anos, 

Necessita de resolução.

 

Nasce com os sinos,

Explode, quando a placidez da invernia

Se inclina, desgastada,

Apodrecendo.

Tudo se prepara, ansiosamente,

Para receber novo rosto:

Acabou o tempo das ilhas. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 8 de março de 2025

 O segredo é uma voz

Igual ao silêncio

 

Talvez na mulher, 

O segredo do mundo.


Nuno Henrique Rocha Morais

sábado, 1 de março de 2025

Aqui se coroa e cumpre

O desejo:

É terra.

Aqui cheguei,

Aqui não verei ninguém mais.

Não espero que alguma vida,

Metáfora de ar,

De novo me tome

E em mim enflore.

Aqui espero, sim,

Morrer para sempre.


                                                                    Nuno Rocha Morais 

sábado, 22 de fevereiro de 2025


Todo o sono ao fundo,

Resumido num ponto irrespirável

De longe, vem a noite

Sedimentar as suas vozes

E todo o pensamento se ateia,

Envenenado de imagens,

Deslumbrado de tristeza incógnita

Que alastra pelo meu nome

E se torna a minha idade,

A minha biografia.

Pela trama da tristeza é que eu penso,

Por aqui passam pesadas,

As pré-históricas horas,

Fossilizadas nesse passado

Em que me consumo.

Que importa o presente

De que, levemente, bebo a morte?

Ah!, e só ver os olhos dela

Seria apagar pegadas rumo ao meu fim.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 16 de fevereiro de 2025


 No sangue a raiz comum com tudo,

Uma página em que todos os ritmos

Se escrevem com a verdura da mesma sintaxe.

Nenhum gesto é abreviado,

A cor das flores não precisa de tradução,

Cai uma sede ferruginosa sobre as espadas,

As espadas já sem chave,

Onde a morte já não pode ser colhida

E a luz dá à luz a sua própria transparência.



Nuno Rocha Morais

domingo, 9 de fevereiro de 2025


(À maneira de Yorgos Seferis)

 

Éramos tão jovens e o amor tardio:

Não o veríamos, como o não vimos,

Como o não veremos.

A lunação de um anjo 

Atravessou sussurradamente

As nossas marés, os nossos lugares,

Escapou às malhas dos nossos corações.

É verdade, envelhecemos,

E o amor rescende, tão jovem.

Como se faz agora?

Quanto passou deixou uma ferida

E o passar do anjo que não vimos

Cobre-as de sal.

O amor, tão jovem, já nada pode em nós,

Somos incêndios cristalizados.

Tu terás sido o anjo que não vi,

Aqui ficaste, caída, desfolhando-te,

Perpétua na tua efemeridade.

Perdemos tudo.

Pela primeira vez sentimo-nos claramente esculpidos,

Libertos da pedra da carne,

Mas só uma tristeza vil nos esculpiu. 


Nuno Rocha Morais

 (Galeria 2016)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025


México

(Homenagem à pátria de Octavio Paz)


México — 

O sol e a lua sucedem-se

Imolando-se ritmicamente,

Com as suas luzes de sílex,

Em homenagem aos espíritos aztecas,

Cujas vozes ainda se ouvem

Nos murmúrios do milho,

Pirâmides do ouro.


Nas estatuetas de barro

Desponta ainda um coração.

E, nas igrejas cristãs, austeras,

Por entre as sombras silenciosas e respeitosas,

Os ecos dos antigos deuses aztecas

Vagueiam, ainda poderosos.

Nuno Rocha Morais

 (Galeria 2016) 





sábado, 1 de fevereiro de 2025

Tão falsas as palavras
Quando digo “morri” nada se passa

Ou quando digo “amo-te”

Nenhuma festa jorra

Nada se passa senão quando

De facto te amo sem palavras

 

Sou capaz de dizer espadas

Com doçura

Sou capaz de ternura

Com os gestos das pedras

 

São falsas as palavras

Verdadeiras mentiras

E eu tenho o lastro da minha vida

Como todos nas palavras

 

São falsas todas as palavras

Até as palavras que com verdade

Se dizem e reconhecem

Falsas



Nuno Rocha Morais 

domingo, 26 de janeiro de 2025

Litania da libertação




                                                                        "por onde alcançar o azul da terra

                                                                        onde se confundem a chuva e os ausentes"

                                                                                                                        Pablo Neruda


Onde o dia se confunde com o horizonte;

Onde o espelho se confunde com o sangue;

Onde o Inverno se confunde com o sono;

Onde a teia se confunde com a boca;

Onde o vinho se confunde com a explosão;

Onde os pássaros se confundem com a luz;

Aí, nesse lugar, nesse tempo,

Onde o espaço se confunde com o sonho,

E o tempo com um tema exaurido,

Aí, eu não me confundirei comigo,

O ausente. 


Nuno Rocha Morais (Galeria 2016)

domingo, 19 de janeiro de 2025

À minha volta, um excesso de presenças.

Em cada objecto, um elo de memória,

Um rasto de tempo passado 

Guia-me até às bases do silêncio,

Onde uma imagem resiste.

As faces rodam

E tudo em mim se espelha,

Nada se grava.

 

                                                Penso na amnistia da estranheza.


Nuno Rocha Morais 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Definição

É algo que não pode voltar,
Como um rio que passa,

E dura, e jamais volta.

É algo como um sono

Em que o voo se dissolve

E de onde nunca mais se liberta.

É a extensa neve da escuridão,

Da perda, é algo de coisa nenhuma. 


Nuno Henrique Rocha Morais

domingo, 5 de janeiro de 2025


Às vezes, regressar não é bem um regresso
Se já nada ficou do lugar

De onde se partiu.

O regresso pode ser anulado

Pelos olhares que a indiferença apouca,

Pela sombra de coisas que já não existem,

Pela sombria aragem de uma seiva perdida.

Um lugar é um lento fruto de sabor rápido,

Esboroa-se e os seus sedimentos dispersam-se. 


Nuno Rocha Morais

Tudo o que esquecemos Em nós se encontra: Os instantes que fizemos São, também eles, artefactos, Alguns que se perderam do tempo. O que esqu...