domingo, 14 de dezembro de 2025

As searas navegam no vento,
Os campos correm, ondulam.

Eu sei, este tempo morrerá aqui

E os mortos escurecerão a terra.

A vida ensina a morrer:

Com as estações e os cães,

Também esses que amamos,

Sempre breves, fugazes

E que a morte arranca aos nossos solos,

Como ervas daninhas,

E é a morte já em nós,

Semente dolorosa.

Eu sei, morrerei

Cansado de tanto ter já morrido. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 6 de dezembro de 2025

Cheguei como se te procurasse,
Sem o saber, suspeitar, acreditar,
Para que o plácido se fizesse súbito.

Nunca será tarde para que junto a ti

Seja a minha morada,

Que me aceites, que me abras a porta

A cada dia que passa,

Tu és mais a minha casa.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 30 de novembro de 2025

De porto em porto,
O cabelo amadurece.

As fábulas tornam-se finas,

As histórias desdentadas

E as palavras atingiram o cume do rosto,

O vento semeou nelas o canibalismo.

A palavra mínima 

Alberga nos seus desvãos um “tsunami”. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 23 de novembro de 2025

Como uma onda,
A memória, secretíssima e felina,

Acorda o meu silêncio.

Onde acordarei,

Onde será o presente

Um reino pesado e esquecido?


Nuno Rocha Morais 

sábado, 15 de novembro de 2025

Não será o amor
Apenas um exercício de solidão?

Por mais que as bocas 

Se reúnam nos frutos do fogo,

Por mais que busquemos,

Morremos sempre em nós,

Sozinhos.

E é o amor, a sua escuma

Sobre o coração abandonado,

Tantas vezes, escombros, que grita

Ser impossível não estarmos

Sozinhos. 


Nuno Rocha Morais 

sábado, 8 de novembro de 2025

Quando me dispus a perder-te
Porque não vivia sem ti,

Fiz de perder-te um jogo,

Uma construção abstracta

Cujo governo uma parte de mim

Recusou e combateu.

Os dois partidos travaram

Uma sangrenta e confusa batalha,

Retiraram-se e ambos 

Proclamaram a vitória,

Chorando em segredo a derrota

Neste amor sem quartel. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 1 de novembro de 2025

O ar bárbaro do mar encerra as veias
E o choro dos ausentes.

O vento range memórias de amarras

E o sal traça o odor de epopeias marítimas.

As ondas que desmaiam na praia

Guardaram o som das bombardas,

O seu arder, o seu alarde.

Gaivotas com corpos de nuvem

Repetem gritos de alvas velhas velas.

As rochas, primeiro erguer

Da pátria no horizonte

Conservam ainda o ancestral sonho,

Estendem os braços verdes para o mar,

Apontam ainda o rumo. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 25 de outubro de 2025


Olha para além de mim
Através de mim

E leva-me no olhar

Para onde olhares.

Depois onde os teus olhos

Se semeiam, criam-me:

Aí ficará a árvore do que sou. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 18 de outubro de 2025


Os homens enganam-se

E isso é quase sempre a História,

Mas a História nunca se engana.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 12 de outubro de 2025


 O Outono pressuroso na cadência das folhas.

Aqui, não há razão sequer para ter um nome.

O que se sente é como os ventos –

Muitos não vêm nos dicionários,

Anónimos iludem todas as redes conhecidas.

Também desconhecida esta gratidão

Pelo rosto da manhã a cada janela.

O ar cristaliza o silêncio das ruas

E parece deixar sal nos olhos,

Que se julgam, também eles, sujeitos ao Outono,

Uma tentação fácil quando estão cientes

De que pouco podem mudar, só ser mudados.

Agora, os corações são frágeis, zumbem muito,

Vivem ofegantes como se trouxessem

Noticias do reino dos mortos

E agora entregam-se, também eles,

Como frutos da época, tocados,

Bicados pelas aves de muitas noites,

Ou sentam-se com velhos e pombos

Em jardins públicos, sob um sol flébil,

E ouvem, à capella, o Outono e a tarde.


Nuno Rocha Morais

Poemas dos dias (2022)

sábado, 4 de outubro de 2025

Saber é cindir, separar,
Iluminando a fracção ínfima

De um continente de escuridão;

Saber é a infracção.

O que se sabe é o que está 

Realmente à deriva

No pequeno redil de todas as estrelas.

Saber é refractar sem escolha. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 27 de setembro de 2025

Impulso


A terra que existe no mar:
As ondas que atravessam o oceano

Para, como as baleias, virem morrer

Nas ternas praias que a elas se estendem,

As ondas que, na ira do amor,

Explodem contra falésias e recifes. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 21 de setembro de 2025


Ó Natureza, onde o Eu
Encontra irmandades,

Ó Natureza onde a alma

Já não é ponto isolado,

Rodeado por silêncios ignaros,

Ó Natureza, também eu

Recebo a fertilidade que a ti desce,

Vinda dos ventres das estações,

Também eu venço estios e invernias,

Também me desfolho e enfloro.

Sou natureza, ó Natureza,

E dentro da estação que sou

O ciclo das estações. 


Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Outrora, quando o tempo
Às vezes ainda era a coincidência

Do sonho e da realidade,

Acreditava-se que o homem poderia

Ser fiel, mas como,

Se dentro de si próprio

O homem possui inúmeros senhores?

A quem ser fiel?

Ao feudalismo do coração,

Ao imperialismo da razão,

Ao consumismo da experiência? 


                                                                        Nuno Rocha Morais

domingo, 7 de setembro de 2025

 Não há um mesmo chão

Para cada um de nós;

Há um, de forma diversa,

Para cada um de nós,

Cujo reflexo da gravidade

É o seu peso no pensar,

No sentir, no imaginar,

Mediante as elevações que concede.

 

Pelo amor, um e outro chão

Nivelam-se,

E um guia o outro no chão de cada um:

Apenas o amor é chão neutro

E partilhado e nesse chão

Os dois chãos se comungam

Tornando-se amor.


Nuno Rocha Morais

sábado, 30 de agosto de 2025


A noite fugindo pela saudade dentro,
A saudade entrando pelo teu rosto,

Luz insone e constante

Que narra a tua memória.

 

Por onde se desperta,

Onde é que a folhagem do sono acaba,

Vencer este sono sonâmbulo

Que és tu, apenas tu?

 

Tu não és o tanto – és o tudo

E nunca o tudo poderá ser tanto como tu,

Farol narrando o rumo na bruma,

Tu serás sempre o chamamento do fim.

 

Dividido, soltando sonhos na deriva do ar

Deixo cair a cabeça no incerto amplexo do sono. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 23 de agosto de 2025

Destino


O centro do sol

Oferece-nos vogais.

Pelo espaço oscilam

Linhas invisíveis.

Daquela que seguirmos

Herdaremos um dia. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 16 de agosto de 2025


 Fome árida, 

Queimadas as encostas

Por onde a cor descia

Em amplas jazidas,

Desertas as vilas,

Ébrias de vazio,

Pacientes, insidiosas

Memória nómada no pó,

A lei do silêncio,

Um silêncio que arde na paisagem

Como choro contido,

Rios que morrem em charcos,

Lentamente reduzidos a areia,

Um cansaço que calcina todo o céu –

Decido – Emigro de mim.

Além dos montes está

O longe de ser já outro.


Nuno Rocha Morais

domingo, 10 de agosto de 2025

Fotografia


 A distância do diagrama

Torna plenas, próximas

As coisas,

Todas estas formas de silêncio:

A pedra, a gaivota, o rio,

A rua, o mar.

É esse silêncio que urge ouvir

E compreender.


Nuno Rocha Morais 

sábado, 2 de agosto de 2025

  

Não: descansa.

Não mais amargura.

Dissolveu-se a imagem do velho

Que junta à fonte o seu choro

Jovem poderosamente.

 

Cada vez que a tua mão

Desenhar o meu rosto,

Há - de haver uma palavra, um verso,

Lugar de cantar, não de fugir,

Lugar de me perder para me encontrar

Em novo espanto.

 

Não: descansa.

 

 

Nuno Rocha Morais

sábado, 26 de julho de 2025

Romance


 

Eu disse que te amava

Sob a respiração do luar

Respondeste

 

                                               O céu estilhaça-se

                                               À passagem dos corvos

 

Eu repeti a ardência nos olhos

Das palavras e disseste

 

                                               A noite solidifica-se na voz

 

Eu soltei a minha voz

                                                Afirmaste 

                                               A Primavera rompe-se

                                               No amargor inclinado das flores

 

Exasperei-me nada compreendendo

De quanto dizias

Por detrás de cada palavra

Há apenas vácuo de sentido

 

                                               Sentenciaste

 

Fui-me embora arrastando

Os juncais da mágoa

 Ainda te ouvi

 

                                               O regresso é a justificação da ausência 

 

Nuno Rocha Morais 

domingo, 20 de julho de 2025

Come In (Entre)


Chegando ao limiar do bosque,

Canto de tordo – atento!

Se agora era o acaso fora,

Estava já escuro dentro.

 

Já muito escuro para a ave,

Embora no bosque voasse

Mudando o pouso para a noite,

Embora ainda cantasse.


O último dos raios de sol

Que a oeste estava morto

Para uma canção mais vivia

No peito deste tordo.

 

Lá ao longe, no escuro erguido,

A música no ar –

Quase um apelo a que entrasse

No escuro para chorar.

 

Mas não, eu procurava estrelas... 



Nuno Rocha Morais

sábado, 12 de julho de 2025

És esperada 
Como uma safra de abundância,

Como um céu novo

No fundo da manhã

Para desvanecer

As trevas da agonia.

És esperada

Como a inspiração das águas,

Como a brisa que reverdece

O silêncio queimado.


                                        Nuno Rocha Morais

sábado, 5 de julho de 2025

Obsessão

 Bendita a morte,


Se consente que a não saibamos,

Maldita a vida,

Se consciência de acabarmos.

 

Nuno Rocha Morais

domingo, 29 de junho de 2025

Deixo que a tua fala me toque,
Aponte onde não havia água

A fonte e me descubra

Onde eu não existia

Persiste a tua imagem

À tona das sílabas de um adeus,

Que se espaçam e endurecem.

Deixo-me arrastar para o nascimento

Irresistível para que a tua fala me convoca,

Desaguando na luz brutal

O primeiro calor demonstra no meu corpo,

O meu sangue exprime-se, delimita

A sua primeira morada dentro do amor. 


                                                Nuno Rocha Morais

sábado, 21 de junho de 2025


 A erosão de um pacto,

O real anestesiado,

Tu e eu, suspensos

E este som incessante

De vidro que se parte.

A febre exuma um delírio,

Amanhã não é o futuro, não ainda.


Nuno Rocha Morais

sábado, 14 de junho de 2025


As contracções,

A ira de Deus,

O sangue da maçã mordida,

A serpente enroscada

No pescoço que aperta

E aperta,

A fractura da identidade,

A deriva pelo medo.

A luminosa e uterina treva

Que se desvanece

E dá lugar à escuridão da luz

Do primeiro dia.

Criado para apenas perceber

O lacunar silêncio

De tudo o que se perdeu.

 

Nuno Rocha Morais

sábado, 7 de junho de 2025

Instruções para a morte

 1.

Imortal 

É toda a vida 

Que não temos.

 

2.

Sem ensaios

A nossa morte.

 

3.

Suspeita quando o teu corpo

Te disser que é só sono

E o sono, sempre,

Que ainda não é manhã.

 

4.

As formas do tempo:

Coisas, nós,

Princípios e fins.

 

5.

Rasgámos

A seda do eclipse.

A treva é ainda maior. 


             (Aparentemente, um poeta é uma entidade que gosta da morte.  

            A cada poema, parece que renasce a contragosto, parece perguntar: para quê, porquê perturbando-me, criando-me? A resposta, ainda ninguém a ouviu. Ou ouviu-se variamente e a verdadeira, ou verdadeiras, se as há, estão perdidas nesse transe de confusão.)

Nuno Rocha Morais

sábado, 31 de maio de 2025

(Lisboa)


A pressa desconstrói ritmos,

Cadências à sua imagem.

Deixo-me conduzir

Pelo rancor das ruas

E que a memória seja fera.

Passo pelas estátuas e a sua reticência,

Sei que não sou mais do que isto,

Como tantos outros – um par de olhos

Devolutos, pelo rancor das ruas.

Cada fissura é o meu destino,

Cada desabamento traça o meu curso,

Mas isto não significa que eu esteja escrito.

 

Nuno Rocha Morais


sábado, 24 de maio de 2025

“Green Peace”


Lançar nas palavras

A voz da Paz Verde

Impedir que dissolvam o céu

Por entre as largas gargantas do fumo.

Com as sílabas de cada gesto,

Mas gestos que caibam nas mãos,

Construir a Paz Verde.

Deixar que os pequenos veios 

Da Paz Verde

Irriguem a cegueira do betão.

Algo de raiz pura e animal

Se acende no peito. Será

A Paz Verde? 


Nuno Rocha Morrais

sábado, 17 de maio de 2025


Chamaram-me triste

Mas eu seria tão mais poeta

Se não me tivessem dado título algum.


Nuno Rocha Morais

 

sábado, 10 de maio de 2025









Nos anéis sucessivos da manhã,
A cidade vai crescendo,

Como se criada, emergindo

As casas e as ruas e as gentes

Dos limbos hibernantes da noite.

A liberdade, aqui, não é o vento

Acelerado pelas gaivotas,

Nem tão pouco as águas que findas,

Se transformam, no oceano,

Em tempo sem margens.

Apenas as pedras são livres,

Mudas nos redis das suas histórias,

Tempo sem morte, mas idade,

Eloquência sem palavra. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 3 de maio de 2025


Agora vais aprender a estar só.

A olhar para as tuas mãos

Depois de te terem partido

Minuciosamente, um a um,

Todos os dedos, inúteis como gravetos.

Vê como não se dissolveram os teus gritos,

Cravados no ar. Vê,

Vais aprender a desprender de ti

Todo o amor com ferocidade

E, porém, numa perplexidade geométrica

E só poderás entender a perplexidade.

Tudo isto, há muito o adivinhavas,

Há tanto tempo – porque esta

Foi a solidão que em outros deixaste.


Nuno Rocha Morais



 

As searas navegam no vento, Os campos correm, ondulam. Eu sei, este tempo morrerá aqui E os mortos escurecerão a terra. A vida ensina a morr...