segunda-feira, 21 de setembro de 2020

António Nobre

I.
Nas grutas do teu peito, a vocação
De um adeus outonal, da nostalgia
Da dor irrefragável, sem desvão
E, aí, o canto, como estalactite,

Moldava-se no tempo, nas imagens,
Na vida, que tu vias, te fugia,
Medida nos teus versos, nobres viagens,
E a dor que o coração ao ser permite.

O longe que a saudade fazia maior,
Nascia dos teus versos naturais,
Como eles jamais fossem escritos
Mas nascessem da terra, de uma dor,
De um horror que crescia e produzia
O feitiço do ritmo e melodia.


II.
Em ti, a vocação de um adeus outonal,
De outonal nostalgia,
De dor, mal outonal,
De um pranto, pétreas gotos desse canto,
Crescendo de um quebranto negro que te doía.

Vias medida a vida fugitiva, vida
Ida em marés de tempo,
No tempo, essa eterna ida,
Vida medida em versos de saudade e vento,
Leves de vento, leves como a infância ida.

                                       (A língua obediente
                                         Seguia a tua mágoa
                                         Até à voz do poente,
                                         Ao verso – a tua frágua.)

                                         No verso, poderosa,
                                         Esguia, a dor erguia
                                         O feitiço da rosa
                                         De ritmo e melodia.

Nuno Rocha Morais (Galeria)


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