Família. “Bolachinhas? Café?
Chá-preto, camomila, tília?”
Desajeitada e constrangida num crescendo triste,
Vai perdendo os seus ditos –
Provérbios e adivinhas que já ninguém sabe como acabam,
Contas que não se deixam enfiar.
A família padece de cada vez mais pó,
Úlceras que rebentam, estrelas doentes,
Rótulas esmagadas, cabeças abertas
Ou simplesmente ausentes,
De crias ferozes que não se conhecem entre si.
A família é cada vez mais silenciosa,
Sufoca, estiola, corre a esconder-se
Em despensas, caves, desvãos
De casas em ruínas ou à venda,
Fecha-se em arcas, entre enxovais
Roídos por traças e memória
Sem referente ou sentido.
Oh, matriarcas, perfume de naftalina,
Oh, patriarcas, outrora tonitruantes
Reduzidos a um élitro, a um zumbido,
A família perdeu moradas e rastos.
O sangue é tinta sempre fresca,
Mas seca depressa. “Já podemos ir embora?”
Desfloram-se gavetas, atravessam-se
A vau testamentos,
Outros tantos rios de esquecimento.
Nuno Rocha Morais
Sem comentários:
Enviar um comentário