sábado, 16 de janeiro de 2021


 

 

 

Família. “Bolachinhas? Café?

Chá-preto, camomila, tília?”

Desajeitada e constrangida num crescendo triste,

Vai perdendo os seus ditos –

Provérbios e adivinhas que já ninguém sabe como acabam,

Contas que não se deixam enfiar.

A família padece de cada vez mais pó,

Úlceras que rebentam, estrelas doentes,

Rótulas esmagadas, cabeças abertas

Ou simplesmente ausentes,

De crias ferozes que não se conhecem entre si.

A família é cada vez mais silenciosa,

Sufoca, estiola, corre a esconder-se

Em despensas, caves, desvãos

De casas em ruínas ou à venda,

Fecha-se em arcas, entre enxovais

Roídos por traças e memória

Sem referente ou sentido.

Oh, matriarcas, perfume de naftalina,

Oh, patriarcas, outrora tonitruantes

Reduzidos a um élitro, a um zumbido,

A família perdeu moradas e rastos.

O sangue é tinta sempre fresca,

Mas seca depressa. “Já podemos ir embora?”

Desfloram-se gavetas, atravessam-se

A vau testamentos,

Outros tantos rios de esquecimento.

 

Nuno Rocha Morais


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