quarta-feira, 6 de maio de 2020

Como a voz de um sortilégio, segues estas mãos,
A sua nostalgia de ser dança
Que, sedosamente, se converte em dança
No teu cabelo, nos teus ombros, nos teus lábios.
Só para ti, repara na leveza destas mãos,
Pousam sobre os teus ombros como a lua,
Com o passo da lua, e não sabes bem
O que isso quer dizer,
Mas consegues senti-lo exactamente.
E vê como guiam a luz cega no dia
Iluminando escalas e volumes mais escuros.
Estas mãos tocam-te e delas provém
O que te regenera num sopro,
Como a doçura a alvorecer dentro de um fruto,
Como uma metáfora ingénua
Que sobrevive à inteligência e se consuma,
É então o teu verdadeiro rosto que aceita
Comparecer no espelho e não apenas feições dispersas?
É agora , por arte dessas mãos,
Que a tua existência é mais do que pigarro e prurido,
Mais do que manhãs onde o único sinal de vida,
Vindo de nenhures, é uma sirene de nevoeiro?
E agora admitirás enfim,
Sob o céu aberto e o mar fechado,
Que não estás assim tão pronto para morrer?
Do teu coração, não encontrariam pontas de flecha,
Mas pó de ouro ou luz em pó
E talvez fragmentos de tábuas contendo
Uma misteriosa receita de hidromel – ou sangue.

Nuno Rocha Morais

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