domingo, 26 de maio de 2024

 À mesa

 

Teria de chegar o momento

Em que nos sentaríamos à mesa

E neste ritual reconheceríamos

A tua morte sentada connosco,

Entre nós.

Já não serás a última a sentar-te

Para jantar neste cubo de noite acesa

Navegando no interior do tempo

Para o Ano Novo,

Já não erguerás, chorosa,

A taça à saúde e vida dos teus,

Pelo menos não aqui.

Estamos silenciosos, à tua espera,

E contra nós vem a memória,

Funciona sempre a memória,

Corre a buscar-te à cozinha.

Cada um há-de lembrar-te

Do ângulo em que sempre se sentava

Em relação a ti –

A lembrança é tópica –

Da sua posição na ordem

De ter servido o prato...

Foste a primeira a partir,

A chegar como mensageira

E o universo desta mesa,

Orquestrado pelo mesmo sangue,

Há-de cindir-se em mortes

Até que à mesa

Só a morte seja conviva.


Nuno Rocha Morais

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