A areia chega-me agora à cintura,
Não me tolhe, nem condena,
Mas está lá, sinto-a.
Há vozes com sede que se abeiram,
Querem beber, mas só tenho sede igual
Para lhes oferecer, ou areia.
A areia é quente, leve, maternal –
Não aquela que os humores vários do vento
Aqui vão depositando, mas o favo
Das que me cobrem há muito.
Às vezes, parece que nas areias
Se anima um instinto de construção,
Mas de que, grão por grão, logo desistem
E aquietam-se
Na arquitectura de apenas
Estarem junto às outras
E aquecem, ao desalento de irmandade
São mais fortes as vozes
Que querem beber, as areias
Que pedem água, jurando
Que a feitiçaria de uma só gota faria em terra,
São mais fortes as vozes, como as areias,
E lamentam-se da construção que não foram,
Coisas por fazer protestando,
Julgando-se incluídas no útero de algum futuro.
Nuno Rocha Morais
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