sábado, 24 de outubro de 2020

Visão

 


A música ondula, sobe,

Coleia, modula, serpenteia,

Oscula, refreia, fere

E cauteriza, e é assim,

Por graça destes sons, que o espírito

Oculto nos seus recessos, enclaves, montanhas,

No relevo acidentado do que somos e não somos,

Se deixa atrair pelo sortilégio

E existe no espaço, por alteração de estado:

O que é som passa a imagem

Que se projecta e desloca no espaço

Absortamente disposto em torno destas volutas

Que sobem e descem e dispersam,

Sem nunca se perderem dentro de nós,

Trazendo sempre consigo mais um motivo  -

Lugares, perfumes, vivos e mortos –

Mais uma figura a acrescentar ás visões

De sentidos que em nós eram informes.

Mas o que é o reflexo de quê?

A insidia destas notas, destes compassos, destas pausas,

Reflecte o que o espírito contém

De tristeza, júbilo, amor, fúria,

Ou é o espírito que se vai criando

À imagem de sons que se desprendem,

Como numa maturação de fumo,

Para logo ganharem forma

Por esta paisagem liquida, deslizante

Que a música também já é?

 

Nuno Rocha Morais

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