quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A MULHER DE LOT


Enquanto desfias o rol de recriminações,
O pergaminho de culpas que enchem
A terra e o céu, que empestam o ar,
Cada palavra rasura-nos um pouco mais
E vais-te gradualmente convertendo
Numa estátua de sal,
Mas de costas voltadas para aquela que foi
A tua, a nossa cidade.
Foi aqui que os quadros de Botticelli,
Os versos d’ A Divina Comédia,
Se fizeram cúmplices crípticos
Para trocarmos olhares, segredos.
Mas, ao fim e ao cabo, não nos mostrámos
Talvez gratos o suficiente
Pela propalada oxitocina, pelo oxímoro
De um amor que mata e não morre.
E, agora, aqui estamos, como se a lua
Me espremesse sumo de limão nos olhos.
E tu te convertesses em sal
Às portas da cidade que abandonamos,
Empestada de culpa.

Nuno Rocha Morais (Galeria)

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