Procura entender-me,
Escolhe-me uma alma,
Quem sou? quem és?
Tantos lugares e nenhum,
Tantas formas e nenhuma,
Não me entendas, não me entendas,
Aí é a tua casa.
Nuno Rocha Morais
Desferindo o seu negro a direito,
Ninguém sabe. Nada se sabe do desfecho
Desta mulher de cenho franzido
E cabelo desgrenhado, de número ao peito,
Miúda, tisnada por muitos mais sóis
Que se queimam na agrura.
Este rosto recusa-se a não ter feito nada,
Despreza as expressões destiladas, insípidas,
Como o arrependimento ou a piedade.
Lança-se, irremediável, no poço do seu crime,
Juntando-se à contumácia das luas,
Que preferem perder-se nas águas
À existência insípida na ficção de um céu.
No fundo, a vida dessas damas,
Adereços em casas burguesas,
Entre almofadas, reposteiros, lavores,
Um pouco pálidas, um pouco consumptas,
Não mais do que o necessário ao seu encanto;
Damas canoras, à maneira italiana em voga,
Nas tristezas, histerias e prantos.
No entanto, esta mulher prefere a culpa
De não acreditar no juízo
E muito menos na injustiça,
Essa desordem consoladora.
Se pensa em alguma coisa,
Não pensa nisso.
Por um segmento de instante,
Talvez fosse possível passar os dedos
E sentir o relevo de uma aflição,
Latente e, porém, distante.
Mas então, logo este rosto duro
Dissipa os dedos:
Imagens vindouras não podem julgar.
Nuno Rocha Morais
Vieste tão alta de tão alto
Que só aí poderás pousar a cabeça
Sem sobressalto,
No repouso que escolheres
E onde nada do vento te mude.
Aí serás irrefutavelmente livre.
Depois, vou levar o teu coração às águas
Para que as constelações o venham buscar.
Nuno Rocha Morais
De novo, o duelo que não poderás ganhar,
A laceração, e de novo há pedaços
De um coração insípido
Que se esmagam com a chuva contra o vidro.
Mas a verdade é que não chove
E a verdade é que no céu
As estrelas retomaram a sua engrenagem.
Já consegues apreciar o funcionamento
Da gramática alemã, ou qualquer outra.
Que te preste.
O sono deixa-se convidar,
Como um animal dócil,
E os sonhos dissolvem-se sem rasto, sem memória –
O mesmo é dizer, sem consequências.
Redescobres por fim a maravilha
De uma ostra sem pérola.
O mundo que era real e se converteu em miragem,
Dolorosa miragem é novamente real
Nos seus modos, nos seus ritmos,
E em breve virá esse vazio que é a aceitação,
O melhor que muito amor deixa,
Uma indiferença que, reconhecida,
É quase euforia.
A tua vida será quase tua outra vez.
Nuno Rocha Morais
Sobre a qual se abatem iras
De chuva e canículaUma espécie de mal punindo
Uma fragilidade ridícula,
A do barro, e quando a casa
Quisemos de pedra,
Gritaste e caiu o relâmpago
E acordei ao relento
De um coraçãozinho trágico,
Sempre em queda,
Mesmo se em repouso,
Comportando-se como chama
Muito antes do fogo.
Nuno Rocha Morais
A bruma desce sobre as coisas quase asma,
Erguendo na visão de todas um fantasma,
Na bruma, tudo é sombra e tudo dista.
Paira um frio metálico e o vento é embotado,
Os espaços tornaram-se breves e lassos
E as distâncias na bruma têm curtos braços.
Neste silêncio quem vive? Aliado ou inimigo?
O que há, doce calma ou ameaça?
Dentro do movimento, nada mexe ou passa,
Tudo está como quedo em ser incerto.
O que se vê no céu? São aves ou instantes?
Serão dessas vidas as mortes rasantes?
Na bruma, nunca estou de quem sou perto.
Nuno Rocha Morais
As searas navegam no vento, Os campos correm, ondulam. Eu sei, este tempo morrerá aqui E os mortos escurecerão a terra. A vida ensina a morr...