terça-feira, 22 de março de 2022

 


Deixo-me cair. Chove.

A mágoa tenta ser demasiada,

A resignação, voz velha e sábia,

Procura confortar-me

Com todos os exemplos que vai tirando do baú.

As ilusões estouram, o coração pode menos,

Sempre um pouco menos, coberto de goteiras,

É possível que tantas impossibilidades

Acabem por vencer

E façam vingar a sua lei.

Talvez nas veias da tragédia

O sangue seja de farsa chocarreira.

Que, então, tudo se desminta, se deslace,

Que nunca tenhamos merecido

Com lágrimas fundar amor,

Que o ridículo não se apiede de nós.

Uma razão qualquer argumenta

Que um homem também se alimenta de pontapés.

Deixo-me cair, mas, então, ao principio muito longe,

Depois cada vez mais perto,

Com forças maiores e maiores,

Há uma voz que soa límpida

E que pelos caminhos distribui a abundância

Equivoca um “talvez não, talvez não”

Até que em mim há espaço

Para de pé repetir: talvez não, talvez não.

 

Nuno Rocha Morais


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