Estamos ambos condenados a
observar
E a ser observados.
O nosso inferno são estas margens
Separadas por águas negras,
Caudalosas, torrenciais.
Caminhamos ao longo das margens,
Cada um na sua, fitamo-nos
Como inimigos que não sabemos se somos,
Cientes de que nunca chegaremos
A lado algum, a palavra alguma.
De vez em quando, ao crepúsculo, a figura do outro lado
Lança-se às águas e logo desaparece,
E apodera-se de mim um terror.
Corro pela margem, esperando ardentemente
Ver o seu corpo afogado.
De manhã, vejo-o de novo diante de mim,
Na sua margem; repelido pelas águas,
E, de cada vez, parece odiar-me.
Nunca me lanço às águas,
Mas a verdade é que, de manhã,
Lançar-me às águas para quê?
Não quero trocar de margem.
A figura do outro lado
Parece-me a mais perfeita indiferença.
Só temo que esse vulto
Alcance a minha margem
E se apodere de mim, dos meus olhos,
Que continuarão a ver
Uma figura na outra margem.
Não quero trocar de margem.
Nuno Rocha Morais
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