Porque sou
jornalista, sinto-me mais real, a minha escrita tem uma densidade dolorosamente
real, é rugosa porque é a verdade, aquilo de que não se pode fugir, mas é
preciso enfrentar.
E porque sou
jornalista, é-me exigido que não sinta (tanto), que faça as coisas
distanciadamente, como um actor, ou melhor, espectador do teatro brechtiano.
Talvez por
isto eu escreva cada vez menos versos. Ou talvez por causa do maldito efeito
que teve em mim o maldito poema de Yannis Ritsos, “Explicação Necessária”.
Nunca nada que eu tenha lido teve tal efeito sobre mim, nem a obra do Pessoa,
do Celan, do Larkin, do António Osório, do O´Neill, do Ruy Belo, nenhuma. Todas
me motivaram para a escrita. Mas este poema, não. Aniquilou-me, secou em mim
todo o desejo de escrever, lamentando amargamente que Ritsos alguma vez o tenha
escrito.
Tenho medo
daquele poema e devo habituar-me a ele, ao medo que ele me causa, e ao
esmagamento.
O pior, e eu
sei-o, é que, como boa literatura que é, o texto não se deixará reduzir ao
hábito, terá sempre algo novo para me mostrar e maravilhar. E o que eu não
quero é a maravilha que incinera tudo o que já escrevi.
Parafrasear o
texto não basta, não serve, não me consola. Qualquer esforço, qualquer
veleidade de imitação ou torneamento sairá gorada, nunca chegará aos
calcanhares do original, deixará sempre aquele vazio de quem não disse nada e
nada tem para dizer.
E sei agora
claramente o que o Pessoa queria dizer quando afirmava: “....e é vã a obra
toda.”
Nuno Rocha Morais
(...da cinza à rocha - notas literárias)
Poema de Yannis Ritsos- explicação necessária
Há
certos versos - às vezes poemas inteiros -
que
eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me
ainda. E tu, tu tens razão em interrogar. Não interrogues.
Já
te disse que não sei.
Duas luzes paralelas
vindo
do mesmo centro. O ruído da água
que
cai, no inverno, da goteira a transbordar
ou
o ruído de uma gota de água caindo
de
uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar,
devagarinho, uma tarde de primavera,
como
o soluço de um pássaro. Não sei que quer dizer este ruído; contudo aceito-o.
As
coisas que sei explico-tas,
sem
negligência.
Mas
as outras também acrescentam a nossa vida.
Eu
olhava
o
seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando
o lençol -
não
era apenas amor. Este ângulo
era
o cume da ternura, e o cheiro
do
lençol, a lavado e a primavera, completava
este
inexplicável, que eu procurei,
em
vão ainda, explicar-te.
yannis ritsos
a rosa do mundo 2001 poemas para o
futuro
trad.
eugénio de andrade
assírio
& alvim
2001
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