Ao ler um nome no programa de um
seminário sobre poesia contemporânea, sobrevém-me a consciência, com um peso de
quase facto, de que a existência da minha obra, se a tiver, será póstuma. A
culpa, se de culpa se pode falar, é total e fatalmente minha porque nunca me
fiz à via-sacra da publicação. (...)
Posso também perguntar o que é isso
da minha obra – o amontoado de rascunhos de poemas, a massa de escritos
autobiográficos, as reflexões pela rama de autores e livros? Só por especial favor ou com especial
condescendência se pode falar de uma obra. Mas, por uma questão de simplicidade
metodológica, aceite-se que de uma obra se trata: mesmo que nunca venha a ter
existência póstuma, entendendo-se aqui existência por letra de forma e chancela
de editor, possui o seu próprio espaço, cria-o. Ninguém a lê, ninguém sabe que
ela existe, mas isso não impede nem anula a sua existência, na medida em que é,
não o reflexo da consciência de algumas coisas, mas uma existência que cria e,
ao mesmo tempo, é essa própria consciência. Não se lhe pode, por isto, dar
especial importância, só porque é uma consciência exponencial, quase se diria
exacerbada, da linguagem e do mundo derivada da consciência de um homem, mas o
que não se lhe pode negar é existência. Existe talvez num grau menor, a um nível
de exposição quase nulo, com um raio de comunicação igualmente quase nulo, e irá
extinguir-se com todas as outras que gozam da máxima exposição e são capazes de
uma comunicação de longo alcance. Não é uma tentativa de auto-consolação –
dificilmente a ideia de extinção total de tudo, com o nosso sol a abater-se
sobre si próprio, me serve de consolação. Mas, para levar a minha lógica até às últimas consequências,
talvez as consciências e os espaços delas que são todas as obras fiquem a
pairar no éter, entrem em órbita ou, furtando-se às leis do Universo, voguem até
aos confins dele...
Nuno Rocha Morais
(Por isso, filho, dou-te a palavra em todo o espaço que puder)
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