domingo, 19 de julho de 2015






Acontece que, quando posso, venho sentar-me aqui, num banco do Jardim de S. Lázaro, ao sol que haja, com pombas e reformados. Ao lado, a Biblioteca Municipal, onde vagueia o espectro do Herculano; no próprio jardim, perpassam versos do Eugénio de Andrade; num destes bancos – já não sei exactamente qual, mas também não tem muita importância -, comecei a ler o Teixeira de Pascoaes, numa improvável, mas só teoricamente, antologia do Cesariny; e, ali, voltado para a rua de D. João IV, está o busto do Camilo, talvez menos irado, por cortesia do escultor, talvez numa cortesia mercenária aos mercadores do Porto, contra as hipocrisias de burgo. Mas este não é um jardim de literatura, por mais que também o seja. Quando me sentia só ou quando quero sentir-me só – não sei se uma coisa decorre da outra e qual o sentido dessa  decorrência - , venho sentar-me aqui, com pombas e reformados, ao sol ao sol que haja, a ouvir o rumor de uma cidade que não sei se foi minha, mas, de qualquer forma, perdi. Houve entretanto anos a separar-nos, a minha vida que se desviou das suas ruas. Julgo, contudo, que sobrevivemos um ao outro, como costuma acontecer aos amantes infelizes. Talvez nunca mais nos possamos encontrar, encontrar verdadeiramente, num desses instantes de reconhecimento absoluto, em que se reconhece até aquilo que não se conhece, pelo menos não conscientemente, em que os olhos vêem tudo e revelam tudo. Talvez nunca mais nos possamos encontrar, mas tão alguma vez voltaremos a ser estranhos. É quase impossível dizer o que representa para mim esta cidade, este canto dela, este jardim. Amei esta cidade como se ama alguém de relações cortadas com a mãe – muito, mas numa surdina dolorosa e dorida.

Nuno Rocha Morais


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