quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Excertos de cartas a amigos


Escrever aos amigos acalma-me e apazigua-me mais do que um chazinho.
Há as imagens – a amizade como casa, como caminho, como lugar que nos espera e a que se regressa sempre, como rio que o tempo e tudo o que acontece numa vida enriquecem. Mas há sobretudo a tua imagem: do amigo-irmão com quem se partilha tudo – amores, alegrias, tristezas – e assim se alimenta a amizade. Sempre!


Não acredito que possa ser «triste» ou «anormal» aquilo que nos realiza, que nos permite sermos nós próprios. Prefiro pensar, com o Terêncio, de que nada do que é humano nos é estranho. O amor é só um, a felicidade é só uma, qualquer que seja a forma de os sentir e realizar.
Não é preciso muito para sermos mais felizes – «só» temos de encontrar o caminho.
Qualquer que seja o lado para que vás, hás-de estar sempre no caminho certo. Isto não é op­ti­mismo nem esperança religiosa ou filosófica, é uma constatação porque, depois de se es­­colher, é por aí que se vai; donde, tem de ser o caminho certo; mesmo que o não seja — faça-se.

Faz o que faz quem ama: espera e confia. Não descanses o coração, descansa é o pensamento.



Tudo o que me impressiona tem reflexo em verso.
A poesia é a minha legitimação, a legitimação do meu bem e do meu mal, do júbilo ou do desespero que atravesso, do amor de que sou capaz e daquele que falho.
Cada verso resulta da assimilação de uma lição.
Por mim, estou certo de que a poesia me «salvou» em vários momentos — neste sentido: deu-me força, deu-me coragem e argumentos para essa coragem, mesmo quando eu me julgava farto de tudo, incluindo da própria poesia.
Nos dias seguintes aos atentados em Madrid, houve uns versos do «Poeta en Nueva York» que não me saíram da cabeça: «No duerme nadie por el cielo,/ no duerme nadie». Não sou um especial admirador da obra do Lorca, mas a grande poesia impõe-se precisamente assim, nestes momentos. Quando achamos que a poesia não é possível depois de Auschwitz, que só nos resta uma mudez calcinada e atónita, surgem de nenhures uns versos a demonstrar preci­samente o contrário. De resto, não foi à toa que, um bocado por toda a parte, se viram poemas - do Cernuda, do Celaya, do Blas de Otero, do Dámaso Alonso. «Every poem, an epitaph», com os necessários decoro, contenção e força.


As invasões bárbaras - do corpo pelo cancro, das sociedades por muitos tipos de miséria, de umas culturas pelas outras, da inocência pela brutalidade - não são propriamente uma solução, mas um apelo à reflexão e a esse «we must be kind with each other while we still have time» de que falava o Larkin.
Dizia o João Cabral que se morre da morte que ela quer, mas […] não vejo por que é que o valor da vida há-de continuar a prevalecer sobre o valor de uma morte serena e sem sofri­men­to. 
Quando for hora, saio de cena, sem «cenas».
Lembro-me muitas vezes do epitáfio do Sena ao Casais Monteiro, em que se perguntava: «Como se morre, Adolfo?». Vejo agora que é assim.
Esta morte é o desenlace infeliz de uma história feliz.
Oxalá possamos dizer boa noite assim, tão sem ressentimento contra a morte, contra a vida.
O importante é não azedar, dar o troco com um sorriso…

Nuno Rocha Morais






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