sábado, 22 de fevereiro de 2025


Todo o sono ao fundo,

Resumido num ponto irrespirável

De longe, vem a noite

Sedimentar as suas vozes

E todo o pensamento se ateia,

Envenenado de imagens,

Deslumbrado de tristeza incógnita

Que alastra pelo meu nome

E se torna a minha idade,

A minha biografia.

Pela trama da tristeza é que eu penso,

Por aqui passam pesadas,

As pré-históricas horas,

Fossilizadas nesse passado

Em que me consumo.

Que importa o presente

De que, levemente, bebo a morte?

Ah!, e só ver os olhos dela

Seria apagar pegadas rumo ao meu fim.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 16 de fevereiro de 2025


 No sangue a raiz comum com tudo,

Uma página em que todos os ritmos

Se escrevem com a verdura da mesma sintaxe.

Nenhum gesto é abreviado,

A cor das flores não precisa de tradução,

Cai uma sede ferruginosa sobre as espadas,

As espadas já sem chave,

Onde a morte já não pode ser colhida

E a luz dá à luz a sua própria transparência.



Nuno Rocha Morais

domingo, 9 de fevereiro de 2025


(À maneira de Yorgos Seferis)

 

Éramos tão jovens e o amor tardio:

Não o veríamos, como o não vimos,

Como o não veremos.

A lunação de um anjo 

Atravessou sussurradamente

As nossas marés, os nossos lugares,

Escapou às malhas dos nossos corações.

É verdade, envelhecemos,

E o amor rescende, tão jovem.

Como se faz agora?

Quanto passou deixou uma ferida

E o passar do anjo que não vimos

Cobre-as de sal.

O amor, tão jovem, já nada pode em nós,

Somos incêndios cristalizados.

Tu terás sido o anjo que não vi,

Aqui ficaste, caída, desfolhando-te,

Perpétua na tua efemeridade.

Perdemos tudo.

Pela primeira vez sentimo-nos claramente esculpidos,

Libertos da pedra da carne,

Mas só uma tristeza vil nos esculpiu. 


Nuno Rocha Morais

 (Galeria 2016)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025


México

(Homenagem à pátria de Octavio Paz)


México — 

O sol e a lua sucedem-se

Imolando-se ritmicamente,

Com as suas luzes de sílex,

Em homenagem aos espíritos aztecas,

Cujas vozes ainda se ouvem

Nos murmúrios do milho,

Pirâmides do ouro.


Nas estatuetas de barro

Desponta ainda um coração.

E, nas igrejas cristãs, austeras,

Por entre as sombras silenciosas e respeitosas,

Os ecos dos antigos deuses aztecas

Vagueiam, ainda poderosos.

Nuno Rocha Morais

 (Galeria 2016) 





sábado, 1 de fevereiro de 2025

Tão falsas as palavras
Quando digo “morri” nada se passa

Ou quando digo “amo-te”

Nenhuma festa jorra

Nada se passa senão quando

De facto te amo sem palavras

 

Sou capaz de dizer espadas

Com doçura

Sou capaz de ternura

Com os gestos das pedras

 

São falsas as palavras

Verdadeiras mentiras

E eu tenho o lastro da minha vida

Como todos nas palavras

 

São falsas todas as palavras

Até as palavras que com verdade

Se dizem e reconhecem

Falsas



Nuno Rocha Morais 

Tudo o que esquecemos Em nós se encontra: Os instantes que fizemos São, também eles, artefactos, Alguns que se perderam do tempo. O que esqu...