domingo, 28 de julho de 2024

Sou um ponto de indefinido

Situado nas encruzilhadas da alteridade,

Sou barco sem nome

Rasgado pelos cantos de emoções,

Pelas promessas de coração.

Há uma voz que me chama

Do fundo do rumo

Mas há o trânsito da confusão

Que me impede de partir

E encontrar essa voz.

Houve desde sempre demasiadas janelas,

Demasiados sóis, demasiadas ruas.

Todos os homens precisam de ter

Uma pequenez maior que o seu tamanho

Para que haja uma grandeza nos seus sonhos.

A minha grandeza é demasiado densa

Para que eu possa achar o vento da bússola.

Será a morte o meu encontrar-me?


Nuno Rocha Morais

poemas dos dias (2022) 

sábado, 20 de julho de 2024


Ao crepúsculo, as casas empalidecem,

Preparando-se para a longa travessia da noite,

Despedem-se com os últimos fulgores das vidraças do sol.

Registo coralífero à luz moribunda,

As casas crescem agora por dentro,

Agitam-se de vozes e crianças,

São inundadas por odores,

Abrem as paredes à lembrança.

Que vidas escondem?

As casas tudo calam,

Libertando, quando consentido,

Monossílabos de janelas abertas ou portas

Ou roupas dispostas ao calor.

São assim as casas, fiéis,

Calorosos túmulos da vida.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 14 de julho de 2024

Podes mudar mil vezes

A pele de um rafeiro,

Dar-lhe um coração

Do mais alto pedigree:

Tudo será em vão,

Nunca mudará de si,

Nunca será outro cão.

E, quando perto do abismo

Lembra-te que um aforismo

Supera todas as teses.


Nuno Rocha Morais
 

domingo, 7 de julho de 2024

Condições atmosféricas (ou correlativo objectivo)

Estou só, mas deveria dizer que nevou muito

E sob a neve há uma como respiração suspensa.
O verão espreita já sobre os telhados mais distantes,

Mas estas aves, todas – andorinhas,

Melros, pardais, pombas –

Que mais podem ser senão gaivotas em terra?

Debaixo de todo este sol

O mar dorme um sono quase infantil, 

Liberta, quase sem resistência, sem fragor,

As suas ondas fetais ainda.

Lentamente, o calor ganha terreno, dilata-se

Entranha-se, traz a roupagem de uma euforia,

Uma felicidade da terra, inexplicável,

Mas só agora conseguirei falar da chuva

E é o sibilar feroz da chuva

Que se ouve nas vidraças destes versos,

Porque não tenho outra maneira

Senão ouvi-la dizer que estou só.


Nuno Rocha Morais
 

  Às vezes, queria traçar o percurso De estar perdido de qualquer saber, De já não nomear nada a partir d...