domingo, 7 de janeiro de 2024

 


O que se cala por bem vai perdendo

A inocência que se possa acomodar numa espécie de silêncio.

À sua sombra cresce –

Quase se poderia dizer que cresce

À sombra do invisível, do inaudível –

Mas cresce uma ameaça que ganha corpo e se adensa.

Tudo o que se calou apodrece,

Empesta e envenena, acidula e corrompe,

Em breve os seus vermes estarão por toda a parte.

O que calaste fala continuamente

Contigo, lateja em protesto incomodo.

Poderás morrer sobre o peso residual

De tudo o que não disseste.

Tantas palavras adormecidas por conveniência

Não dormem, têm uma gravidade pestífera

Que te abraça para o fundo.

De algum modo, passaram para o outro lado do espelho,

São uma presença que acompanha

A imagem da sua própria ausência

E os lábios movem-se em formas mudas,

Obstinada recusa do teu silêncio.


Nuno Rocha Morais

Poemas dos Dias (2022)

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