Apenas isto:
Não sobrevivermos ao momento,
Como ele sermos desprendidos,
Leves e tanto
Que nem o tempo nos conheça vulto.
Apenas isto:
Não sermos nunca
Sobreviventes da felicidade.
Nuno Rocha Morais
Rapta a nossa efemeridade.
É o vento de Paris que lhe dá rumo.
É outono e tudo começa
A não ser verdadeiro
Para o olhar que não mudou.
Mudam-se as roupagens,
Prepara-se outro amor e outra morte.
Em Paris, a morte não significa morrer –
Talvez um tempo que já tenha sido regresse.
É em Paris que encontro Beatrice,
Já não uma aristocrata florentina,
Mas a publicitária que me vende um perfume
E traja de azul e fala a cantar.
E o seu sorriso é um fragor em mim
E os lugares-comuns são esplendorosos
Para falar de Beatrice.
É perante ela que uma vida enflora
Para se fechar no mesmo momento,
Fim e principio sobrepostos, indistintos.
No circulo do vento com a minha alma
Está Beatrice e Beatrice,
Na minha alma, diz-me
Que aqui, em Paris, com ela,
A minha efemeridade pode durar
Um pouco mais.
Nuno Rocha Morais
Poemas dos dias (2022)
Agradecer-te por teres atravessado,
Alheia a qualquer pavor
Esta paisagem de guernicas,
Se mostravam e te acenavam,
Mas tu seguiste sempre, sempre,
Para onde lancinante era o não haver luz,
Seguiste tornando aves as nuvens já peso,
Tornando as aves já não figuras de fuga,
Mas sim gargalhadas tilintantes
E o céu, vasta leveza
E as guernicas, promessas de searas,
Fontes, filhos, frutos.
Chegaste e seguia-te uma paz,
Rutilante alento.
Nuno Rocha Morais
A inocência que se possa acomodar numa espécie de silêncio.
À sua sombra cresce –
Quase se poderia dizer que cresce
À sombra do invisível, do inaudível –
Mas cresce uma ameaça que ganha corpo e se adensa.
Tudo o que se calou apodrece,
Empesta e envenena, acidula e corrompe,
Em breve os seus vermes estarão por toda a parte.
O que calaste fala continuamente
Contigo, lateja em protesto incomodo.
Poderás morrer sobre o peso residual
De tudo o que não disseste.
Tantas palavras adormecidas por conveniência
Não dormem, têm uma gravidade pestífera
Que te abraça para o fundo.
De algum modo, passaram para o outro lado do espelho,
São uma presença que acompanha
A imagem da sua própria ausência
E os lábios movem-se em formas mudas,
Obstinada recusa do teu silêncio.
Nuno Rocha Morais
Poemas dos Dias (2022)
A minha voz pode esquecer-te, Mas não o meu silêncio. De sofrer por ti fiz a minha casa – O escárnio e o absurdo Passam sempre, por mais que...