sábado, 25 de setembro de 2021

Visão


 

 Nem céu nem terra, só mar e luz,

Como asseveravam os prospectos,

E a solidão alta de uma mulher

À beira-mar. Não pensa em nada.

Dentro dela, só este mar e esta luz.

No hotel, tudo ficou na perfeita ordem

De gavetas pacificas, do armário,

Felizes os postais já escritos,

Tudo perfeito nas escalas e proporções,

A compostura resistiu ao verde hiperbólico

Do pequeno país tropical

Com dupla personalidade.

Não pensa em nada disso a mulher à beira-mar.

A sua calma converge para uma harmonia

Histriónica, ocultando uma desordem unânime

A cuja vontade responde o mar,

Com correntes que puxam a mulher,

Areias que vão traindo a serenidade.

Nada resiste à vontade maior clamando do largo

No dorso de um instante, a mulher cai,

Levada na onda silenciária,

Reconhecendo na areia turbilhonante,

Negra, a matéria última de dias, noites,

Um túnel até ao seu próprio pensamento,

Longínquo, tão ao largo.

E, no interior da onda, no dorso do instante,

Percebe que talvez não tenha agradecido tudo

E a sua vida surge-lhe necessária, mas ausente,

Não há ninguém, ninguém que a resgate.

Então furando a onda, desce a mão,

A mão que a puxa para cima,

Para o céu, para a terra,

Para onde a sua vida a espera,

De pé, à beira-mar.

Enquanto recobra o fôlego,

A mulher procura um rosto.

A quem agradecer a mão:

            Olha à volta e não há ninguém.     

 

           Nuno Rocha Morais

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