Nem céu nem terra, só mar e luz,
Como asseveravam os prospectos,
E a solidão alta de uma mulher
À beira-mar. Não pensa em nada.
Dentro dela, só este mar e esta luz.
No hotel, tudo ficou na perfeita ordem
De gavetas pacificas, do armário,
Felizes os postais já escritos,
Tudo perfeito nas escalas e proporções,
A compostura resistiu ao verde hiperbólico
Do pequeno país tropical
Com dupla personalidade.
Não pensa em nada disso a mulher à beira-mar.
A sua calma converge para uma harmonia
Histriónica, ocultando uma desordem unânime
A cuja vontade responde o mar,
Com correntes que puxam a mulher,
Areias que vão traindo a serenidade.
Nada resiste à vontade maior clamando do largo
No dorso de um instante, a mulher cai,
Levada na onda silenciária,
Reconhecendo na areia turbilhonante,
Negra, a matéria última de dias, noites,
Um túnel até ao seu próprio pensamento,
Longínquo, tão ao largo.
E, no interior da onda, no dorso do instante,
Percebe que talvez não tenha agradecido tudo
E a sua vida surge-lhe necessária, mas ausente,
Não há ninguém, ninguém que a resgate.
Então furando a onda, desce a mão,
A mão que a puxa para cima,
Para o céu, para a terra,
Para onde a sua vida a espera,
De pé, à beira-mar.
Enquanto recobra o fôlego,
A mulher procura um rosto.
A quem agradecer a mão:
Olha à volta e não há ninguém.
Nuno Rocha Morais
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