sábado, 5 de junho de 2021


                                                               (To Axion Esti)

Canta tudo o que é, todas as coisas,

E aquelas que não são, dá-lhes ser, canta-as,

E canta as coisas mortas

Para as não deixares morrer.

Canta a adversidade,

Não para que ela fique do teu lado;

Canta a imensidão que ilude

Fins sucessivos sem nunca presumir

Ser eterna, não para que ela te prolongue;

Mas canta-as porque a adversidade

E a imensidão te situam,

Canta-as, canta-as sobre o amor acabado,

Canta o amor acabado,

Capta todos os timbres da sua palinódia,

Como mudaram os seus olhos

Como as cores nas águas

Com o mudar do dia.

E ao cantares as coisas que são

Tu és uma coisa que é,

Porque tudo chega ao mundo

Pelo pórtico do teu canto.

Canta um mundo a ouvir-se ser no teu canto

Porque cantas, nada acabou, nada continua

Porque cantas, tudo está,

O que não volta, o que nunca esteve

E o que nunca há-de vir.

Canta e isto significa estares mudo

Para poderes ver, para que a tua voz

Não afaste o mundo, desfigurando-o,

Canta para seres o mundo

E não a volúpia da tua própria voz.

Seja o teu canto quantos solos e quantos climas,

Quantos estratos e quantas eras.

 

Nuno Rocha Morais

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