terça-feira, 7 de abril de 2020


Espantou-se ao sentir a dor
Que a sua carne ainda podia.
Porque perseverava assim?
O sangue prosseguia, perseguindo
Todos os confins do seu corpo,
Congregava-se em torno dos pregos,
Sem brotar. A dor, só a dor
Falava no seu corpo,
Mais alto, cada vez mais alto,
A dor que a mãe devia ter sentido
Quando ele estava para chegar.
E então gritou: “Eli, Eli...”
A mãe estava perto, ainda mortal,
Sem desviar os olhos da agonia.
Até ele terá vacilado
E, descrendo por um instante,
Perdeu-se do Pai.
E disse: “Tenho sede.”
E o Pai deu-lhe a provar o arrependimento
Numa esponja embebida em fel.
Depois, reuniram-se, mas não puderam ser o mesmo.

Nuno Rocha Morais


“Nunca como agora a poesia que tento escrever esteve tão perto da prece.” Nuno Rocha Morais

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