domingo, 15 de outubro de 2017

“Da cinza à pedra” Notas literárias de Nuno Rocha Morais


Lembrar só que não há lugares comuns. Que são lugares comuns o amor e a morte e o mar e o verão e as amoras e os bosques e um pardal – são palavras. Mas a nossa experiência delas obriga-nos a mudar as palavras, os seu sentido, sobretudo em palavras como amor e morte. Quando encontramos os conceitos, fora das palavras, a acção pura, então, as palavras enchem-se com uma emoção, um rosto, um instante, uma memória, e só então sabemos o que realmente significam amor e morte ou mar ou verão ou amoras ou bosques ou pardal. E então é preciso pensar tudo de novo, dizer tudo de novo, passar, como escreveu Roberto Juarroz, a lista das coisas, e sentir então o sentido. As palavras encontram-se fora das palavras, fazem-se de fora para dentro e vêm de dentro para fora, quando sabemos o que significam. Uma palavra é uma experiência – não é uma sequência de sons inocente à qual foi convencionalmente atribuída uma significação estável. Uma palavra é tudo menos estável – muda connosco. O sentido que damos às palavras é a melhor forma de vermos como mudámos. Experienciar uma palavra implica repensar todo o vocabulário, descobrir como estão tão vazias tantas outras palavras. É isto que constantemente nos lembra a poesia. Se quisermos ser animados pela mesquinhez utilitarista é para isso que “serve” a poesia.


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