domingo, 29 de junho de 2025

Deixo que a tua fala me toque,
Aponte onde não havia água

A fonte e me descubra

Onde eu não existia

Persiste a tua imagem

À tona das sílabas de um adeus,

Que se espaçam e endurecem.

Deixo-me arrastar para o nascimento

Irresistível para que a tua fala me convoca,

Desaguando na luz brutal

O primeiro calor demonstra no meu corpo,

O meu sangue exprime-se, delimita

A sua primeira morada dentro do amor. 


                                                Nuno Rocha Morais

sábado, 21 de junho de 2025


 A erosão de um pacto,

O real anestesiado,

Tu e eu, suspensos

E este som incessante

De vidro que se parte.

A febre exuma um delírio,

Amanhã não é o futuro, não ainda.


Nuno Rocha Morais

sábado, 14 de junho de 2025


As contracções,

A ira de Deus,

O sangue da maçã mordida,

A serpente enroscada

No pescoço que aperta

E aperta,

A fractura da identidade,

A deriva pelo medo.

A luminosa e uterina treva

Que se desvanece

E dá lugar à escuridão da luz

Do primeiro dia.

Criado para apenas perceber

O lacunar silêncio

De tudo o que se perdeu.

 

Nuno Rocha Morais

sábado, 7 de junho de 2025

Instruções para a morte

 1.

Imortal 

É toda a vida 

Que não temos.

 

2.

Sem ensaios

A nossa morte.

 

3.

Suspeita quando o teu corpo

Te disser que é só sono

E o sono, sempre,

Que ainda não é manhã.

 

4.

As formas do tempo:

Coisas, nós,

Princípios e fins.

 

5.

Rasgámos

A seda do eclipse.

A treva é ainda maior. 


             (Aparentemente, um poeta é uma entidade que gosta da morte.  

            A cada poema, parece que renasce a contragosto, parece perguntar: para quê, porquê perturbando-me, criando-me? A resposta, ainda ninguém a ouviu. Ou ouviu-se variamente e a verdadeira, ou verdadeiras, se as há, estão perdidas nesse transe de confusão.)

Nuno Rocha Morais

    Não: descansa. Não mais amargura. Dissolveu-se a imagem do velho Que junta à fonte o seu choro Jovem poderosamente.   Cada vez...