domingo, 25 de agosto de 2024

 

Há já quanto tempo não vestia estas calças.

Dentro delas estão as pernas envelhecidas,

Perras, de um presente longínquo.

Nos bolsos, há ruínas de nomes,

Pequenos fragmentos de vozes e cartas,

Pequenas chamas ou elegias

Ainda não totalmente dissolvidas.

Pego em todas estas coisas,

Cuidadosamente e reintegro-as

No fluxo da memória.

 

Nuno Rocha Morais

 

sábado, 17 de agosto de 2024


 Convocas em mim essa tempestade

De que és o início

E só tu podes ser saciedade.

Amena me desunes

Entre a alegria e o rasgar,

És tu que fazes desaguar em mim

As navegações de uma certa dor

Que os amantes conhecem bem,

Que os sonos e insónias percorrem.

Em mim nasces como um turbilhão

E és tão cruel, tão crua,

Mas a tua crueza, a minha dor

Nada disso, nada, é culpa tua.


Nuno Rocha Morais

sábado, 10 de agosto de 2024

Espaço puro entre quatro paredes, 

Tempo ainda não começado:

Nada me liga ainda a esta casa,

Como rosto sem feições. 

Nada me liga a este silêncio, 

Ainda sem o peso de uma memória.

 

Tudo ainda sílabas estranhas,

De uma voz rígida, desconhecida.

Os objectos são os mesmos,

Mas outra posição, noutro lugar

Dá-lhes outra face, outra história:

Os objectos recomeçam-se

Do fundo de uma alma nova.

 

Também eu, aqui,

Me perco no meu desconhecimento:

A mão que escreve soa outra

E o seu gesto de escrever é nova tinta,

Recomeço-me.

 

Nuno Rocha Morais

domingo, 4 de agosto de 2024



Para fora das tuas portas,

Porto, parto.

Mas mesmo apartado, Porto

Tu estás perto.

Nas tuas ruas

Corre ainda a minha infância;

Os meus pequenos segredos 

Moram, devorados, nas tuas sombras

E as minhas alegrias,

As minhas tristezas

Espreitam nas tuas esquinas,

Caiam ou escurecem as tuas paredes.

 

Parto

Com a alma dos navios

Que saem para o hausto do naufrágio.

Caio

Mutilado, não por dor alguma,

Mas pelo vazio. 


Nuno Rocha Morais


  Às vezes, queria traçar o percurso De estar perdido de qualquer saber, De já não nomear nada a partir d...