sábado, 26 de abril de 2025





Esta é a sombra de Deus

E sinto, por fim,

A minha alma, aflante,

Aportando no corpo.

Aqui, na sombra

Onde uma religião se despe,

Sei que sou tristeza reunida,

Chama densa, oculta,

Rio afogando-se 

Sob a ausência da voz,

No caudaloso silêncio

Que em mim ecoa

Como divina resposta.


Nuno Rocha Morais

 

sábado, 19 de abril de 2025

Criei em mim os deuses

Em que não acredito,

Trago em mim o céu e o inferno

E o pecado volúvel

Que não é fronteira entre os dois.

Da forma simples,

Moldei o labirinto

Das lendas, dos segredos;

Trago no verso o súbito lembrar

De toda a mitologia

Que sou eu:

Dividido no fogo de imagens,

Reflexos, ora reais, ora falsos,

De eternos e mortais 

De que o poeta é o mesmo orbe.


Nuno Rocha Morais 

domingo, 13 de abril de 2025



Tudo o que esquecemos

Em nós se encontra:

Os instantes que fizemos

São, também eles, artefactos,

Alguns que se perderam do tempo.

O que esquecemos

Não se perde, todavia, de nós –

É antes uma memória inversa,

Em negativo, presença codificada.

Mas não importa,

Quem quer que esteja

Do outro lado de nós –

Deus, diabo ou nós mesmos –

Há-de lembrar-se.

Posto que não há destino,

Não é senão a vida em encruzilhadas,

Tu e eu juízes delas.


Nuno Rocha Morais

Poemas dos Dias (2022) 

sexta-feira, 4 de abril de 2025





A minha voz pode esquecer-te,

Mas não o meu silêncio.

De sofrer por ti fiz a minha casa –

O escárnio e o absurdo

Passam sempre, por mais que durem.

A casa fica.

Que me esqueças é a única morte,

O único deserto.


Nuno Rocha Morais 

As contracções, A ira de Deus, O sangue da maçã mordida, A serpente enroscada No pescoço que aperta E aperta, A fractura da identidade, A de...