domingo, 17 de junho de 2018


Esta noite, o céu é seara
Onde a lua traça um rútilo sorriso.
Esta noite, abre-se o fresco pórtico
Para o poema puro e perfeito.
O poema é esta noite.
Tudo esta noite sabe a início.
Ao longe, ouve-se um rumor de um mar,
O mar da máquina. Rumor longínquo.
Perto, está apenas a noite
Sedosa, macia, morna, meiga.
As estrelas são espigas de luz.
Esta noite todos somos
Janelas abertas para a noite,
Janelas respirando o Estio tranquilo.
A noite não é de mágoa:
Passa a sua mão fresca
Sobre a testa febril da alma.
O afago azul é, hoje,
A cor da infância.

Nuno Rocha Morais

domingo, 10 de junho de 2018

Ensaio

(Ao Christian Guernes e Manuela Colombo pelas belas traduções dos poemas do Nuno)


 
Porque há-de a arte
Submergir o nosso olhar numa jóia,
Levar a alma, evolá-la para um refúgio,
Um nicho onde a vida não entra?
De que serve a arte como evasão
Se à vida teremos de regressar,
Se rumos mais teremos de trilhar,
Se vidas reais teremos de exaurir?

A arte, porquê evasão?
Porque não viver mais realmente,
De outros olhos, a nossa vida?
Quem se sabe sabedor do céu,
Saberá lutar contra o inferno,
Quem sabe canto,
Saberá embrenhar-se no silêncio?


A arte, porquê fugir de onde nasce?

Nuno Rocha Morais

quinta-feira, 7 de junho de 2018

(Amanhã fará dez anos que o Nuno nos deixou... Vou tratar da sua cremação e trazê-lo para casa, onde ele se sentia feliz)

Cremação

Ei-lo, sem luto e sem tento:
O ar fresco da manhã
Chega junto do teu corpo,
Que agora devolve todos os seus instantes,
E não se sabe comportar,
Chega como quem fala alto.
Serás de cinza.
Um comboio passa, só rumor,
A chuva é cada vez mais violenta,
Mas a este silêncio apenas chega o ar da manhã,
Fresco, gárrulo.
A sua mão espalhará a sua morte
A um vento de mil mariposas,
Nascidas de uma alegria feita carne e pétalas,
Quase alegria.
A morte sem dolo e pestilência.


       Nuno Rocha Morais 

sábado, 2 de junho de 2018

De quem esta sombra
Minha roubada?
Sombra que se mexe comigo,
Num silêncio de corda,
E, contudo, discorda sempre
Em cada movimento –
És sombra de quem?
Saudade de outro corpo,
Saudade de outro espelho escuro.
De quem é esta sombra?
Lembrança de outros gestos,
De outros corpos,
Sombra de outros erguidos,
Outros, não os meus,
Sombra, que emissária és tu?


Nuno Rocha Morais

Cheguei como se te procurasse, Sem o saber, suspeitar, acreditar, Para que o plácido se fizesse súbito. Nunca será tarde para que junto a ti...