A mais incerta bruma
Adormece formas e contornos.
Toda a realidade é uma sugestão
E o tempo parece ainda hesitar
Entre solidificar o mundo
Ou apagá-lo para sempre
No mais branco caos.
Nuno Rocha Morais
Uma geringonça humana.
Desejaria ter-te convertido
Em promontório. Assim não o quis
A ira insondável dos deuses.
Punição por ter nascido assimétrico,
Ferindo toda a noção
De medida e proporção.
Qual foi o desafio? Ninguém sabe.
Sucumbiu às astúcias da beleza
Quando todo o seu mundo era uma ilha
Onde guardava rebanhos.
Como segunda punição, os deuses
Quiseram reparar o seu erro.
Cego, gritando contra Ninguém,
Chamando por Ninguém, clamando vingança
Contra Ninguém, escarnecido por Ninguém,
Mais do que nunca desejou o ciclope
Converter-se em promontório.
E este desejo gerou a sua prole.
Nuno Rocha Morais
Rigorosamente pela escuridão –
À luz, apenas a derrogação em cena,
Agora, a música – mão
Aflorando folhagem e súbita
Gestação de anjos e elfos
E de um deus cavo e sombrio.
Agora, há uma razão
Para a estultice de um trocadilho:
Esta é uma sala de desconcertos.
A música traz em si voo
E espaço, espaço que invade o espaço da sala
E com ele foge em todas as direcções.
Nuno Rocha Morais
Cidades – Metz, Lyon, Thionville –
Que crescem misteriosas,
Cidades transmontes,
De catedrais súbitas,
Cidades na sombra de jardins,
Cortejadas por rios e mares distantes,
Cidades que caminham ao nosso encontro
E só existem nos olhos de amantes,
Cidades que mais ninguém conhecerá,
Por nós reescritas, segredo comum,
A três, com o próprio espaço,
Que não será jamais o mesmo lugar,
Cidades abrindo-se e são as tuas mãos,
Metz, Lyon, Thionville.
Outros encontrarão das cidades
Apenas o rasto da errância
Porque as cidades, essas, foram connosco,
Metz, Lyon, Thionville, Luxemburgo,
As cidades são o que nasce
Do que sentem as mãos
Quando as outras se dão e ficam.
Cidades de uma qualidade felina
Entre o teu país e o meu,
Um terceiro, quando pousas a cabeça no meu ombro,
Metz, Lyon, Thionville, Luxemburgo.
Nuno Rocha Morais
A minha voz pode esquecer-te, Mas não o meu silêncio. De sofrer por ti fiz a minha casa – O escárnio e o absurdo Passam sempre, por mais que...