Bendita a morte,
Se consente que a não saibamos,
Maldita a vida,
Se consciência de acabarmos.
Nuno Rocha Morais
Bendita a morte,
Maldita a vida,
Se consciência de acabarmos.
Nuno Rocha Morais
Deixo que a tua fala me toque,
A fonte e me descubra
Onde eu não existia
Persiste a tua imagem
À tona das sílabas de um adeus,
Que se espaçam e endurecem.
Deixo-me arrastar para o nascimento
Irresistível para que a tua fala me convoca,
Desaguando na luz brutal
O primeiro calor demonstra no meu corpo,
O meu sangue exprime-se, delimita
A sua primeira morada dentro do amor.
Nuno Rocha Morais
As contracções,
A ira de Deus,
O sangue da maçã mordida,
A serpente enroscada
No pescoço que aperta
E aperta,
A fractura da identidade,
A deriva pelo medo.
A luminosa e uterina treva
Que se desvanece
E dá lugar à escuridão da luz
Do primeiro dia.
Criado para apenas perceber
O lacunar silêncio
De tudo o que se perdeu.
Nuno Rocha Morais
Imortal
É toda a vida
Que não temos.
2.
Sem ensaios
A nossa morte.
3.
Suspeita quando o teu corpo
Te disser que é só sono
E o sono, sempre,
Que ainda não é manhã.
4.
As formas do tempo:
Coisas, nós,
Princípios e fins.
5.
Rasgámos
A seda do eclipse.
A treva é ainda maior.
(Aparentemente, um poeta é uma entidade que gosta da morte.
A cada poema, parece que renasce a contragosto, parece perguntar: para quê, porquê perturbando-me, criando-me? A resposta, ainda ninguém a ouviu. Ou ouviu-se variamente e a verdadeira, ou verdadeiras, se as há, estão perdidas nesse transe de confusão.)
Nuno Rocha Morais
A pressa desconstrói ritmos,
Cadências à sua imagem.
Deixo-me conduzir
Pelo rancor das ruas
E que a memória seja fera.
Passo pelas estátuas e a sua reticência,
Sei que não sou mais do que isto,
Como tantos outros – um par de olhos
Devolutos, pelo rancor das ruas.
Cada fissura é o meu destino,
Cada desabamento traça o meu curso,
Mas isto não significa que eu esteja escrito.
Nuno Rocha Morais
Lançar nas palavras
A voz da Paz Verde
Impedir que dissolvam o céu
Por entre as largas gargantas do fumo.
Com as sílabas de cada gesto,
Mas gestos que caibam nas mãos,
Construir a Paz Verde.
Deixar que os pequenos veios
Da Paz Verde
Irriguem a cegueira do betão.
Algo de raiz pura e animal
Se acende no peito. Será
A Paz Verde?
Nuno Rocha Morrais
Bendita a morte, Se consente que a não saibamos, Maldita a vida, Se consciência de acabarmos. Nuno Rocha Morais