domingo, 12 de outubro de 2025


 O Outono pressuroso na cadência das folhas.

Aqui, não há razão sequer para ter um nome.

O que se sente é como os ventos –

Muitos não vêm nos dicionários,

Anónimos iludem todas as redes conhecidas.

Também desconhecida esta gratidão

Pelo rosto da manhã a cada janela.

O ar cristaliza o silêncio das ruas

E parece deixar sal nos olhos,

Que se julgam, também eles, sujeitos ao Outono,

Uma tentação fácil quando estão cientes

De que pouco podem mudar, só ser mudados.

Agora, os corações são frágeis, zumbem muito,

Vivem ofegantes como se trouxessem

Noticias do reino dos mortos

E agora entregam-se, também eles,

Como frutos da época, tocados,

Bicados pelas aves de muitas noites,

Ou sentam-se com velhos e pombos

Em jardins públicos, sob um sol flébil,

E ouvem, à capella, o Outono e a tarde.


Nuno Rocha Morais

Poemas dos dias (2022)

sábado, 4 de outubro de 2025

Saber é cindir, separar,
Iluminando a fracção ínfima

De um continente de escuridão;

Saber é a infracção.

O que se sabe é o que está 

Realmente à deriva

No pequeno redil de todas as estrelas.

Saber é refractar sem escolha. 


Nuno Rocha Morais

sábado, 27 de setembro de 2025

Impulso


A terra que existe no mar:
As ondas que atravessam o oceano

Para, como as baleias, virem morrer

Nas ternas praias que a elas se estendem,

As ondas que, na ira do amor,

Explodem contra falésias e recifes. 


Nuno Rocha Morais

domingo, 21 de setembro de 2025


Ó Natureza, onde o Eu
Encontra irmandades,

Ó Natureza onde a alma

Já não é ponto isolado,

Rodeado por silêncios ignaros,

Ó Natureza, também eu

Recebo a fertilidade que a ti desce,

Vinda dos ventres das estações,

Também eu venço estios e invernias,

Também me desfolho e enfloro.

Sou natureza, ó Natureza,

E dentro da estação que sou

O ciclo das estações. 


Nuno Rocha Morais

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Outrora, quando o tempo
Às vezes ainda era a coincidência

Do sonho e da realidade,

Acreditava-se que o homem poderia

Ser fiel, mas como,

Se dentro de si próprio

O homem possui inúmeros senhores?

A quem ser fiel?

Ao feudalismo do coração,

Ao imperialismo da razão,

Ao consumismo da experiência? 


                                                                        Nuno Rocha Morais

domingo, 7 de setembro de 2025

 Não há um mesmo chão

Para cada um de nós;

Há um, de forma diversa,

Para cada um de nós,

Cujo reflexo da gravidade

É o seu peso no pensar,

No sentir, no imaginar,

Mediante as elevações que concede.

 

Pelo amor, um e outro chão

Nivelam-se,

E um guia o outro no chão de cada um:

Apenas o amor é chão neutro

E partilhado e nesse chão

Os dois chãos se comungam

Tornando-se amor.


Nuno Rocha Morais

sábado, 30 de agosto de 2025


A noite fugindo pela saudade dentro,
A saudade entrando pelo teu rosto,

Luz insone e constante

Que narra a tua memória.

 

Por onde se desperta,

Onde é que a folhagem do sono acaba,

Vencer este sono sonâmbulo

Que és tu, apenas tu?

 

Tu não és o tanto – és o tudo

E nunca o tudo poderá ser tanto como tu,

Farol narrando o rumo na bruma,

Tu serás sempre o chamamento do fim.

 

Dividido, soltando sonhos na deriva do ar

Deixo cair a cabeça no incerto amplexo do sono. 


Nuno Rocha Morais

  O Outono pressuroso na cadência das folhas. Aqui, não há razão sequer para ter um nome. O que se sente é como os ventos – Muitos não vêm n...